Quando um ex-pugilista arrisca tudo em Hollywood e, no fim, abraça o sacerdócio, o público tende a questionar se essa narrativa é capaz de se sustentar numa grande tela. É exatamente o que “Luta pela Fé — A História do Padre Stu” propõe, ao recontar a trajetória de Stuart Long e mostrar como uma sucessão de contratempos pode desencadear transformações surpreendentes. A produção, capitaneada por Mark Wahlberg sob a direção de Rosalind Ross, busca transmitir a intensidade de uma vida marcada por confrontos físicos, emocionais e espirituais, mas enfrenta alguns percalços que comprometem a imersão do espectador.
Stu cresce em Montana, numa família estremecida pela ausência de afetividade e pelos abusos do pai, que recorre à bebida para lidar com seus fantasmas. Em meio a essa realidade, ele encontra no boxe uma válvula de escape, dedicando-se com fervor aos treinos. Contudo, o excesso de lesões o obriga a abandonar a ambição de se firmar no esporte. Diante desse revés, o protagonista segue para Hollywood, sonhando em construir uma nova identidade como ator. A cidade, entretanto, revela-se menos acolhedora do que o esperado, e o sucesso não chega no ritmo que ele gostaria.
O ponto de virada ocorre quando Stu conhece Carmen, uma mulher comprometida com a Igreja Católica. A princípio, o interesse dele na prática religiosa não ultrapassa o mero artifício para conquistá-la, mas um acidente de moto quase fatal desperta uma perspectiva interior que o conduz a um desejo genuíno de mudança. Decidir tornar-se padre, porém, causa estranheza entre aqueles que presenciam seu histórico de comportamento impulsivo, e essa tensão é explorada pelo filme em cenas que tentam equilibrar drama com a atmosfera de grandiosidade típica das produções de estúdio.
A ideia de que as vivências traumáticas podem levar alguém a buscar um caminho espiritual é forte o suficiente para sustentar a proposta da obra. O problema é que o roteiro prioriza situações de impacto imediato, em vez de desenvolver com calma as nuances emocionais que moldam a conversão do protagonista. Momentos como a visita de Stu a uma prisão, que poderia evidenciar sua capacidade de empatia, são retratados de forma breve, não se aprofundando no potencial catártico que essas experiências poderiam oferecer. Assim, o público perde a chance de ver como ele amadurece na fé, pois boa parte do enredo se concentra em episódios dramáticos de sua vida anterior.
Apesar dessas lacunas, Wahlberg se empenha em transmitir a essência de um indivíduo que transita da autodestruição para a esperança. Ele compõe um sujeito obstinado, sem receio de demonstrar fragilidades. Mel Gibson, no papel do pai alcoólatra, confronta o desafio de revelar camadas de amargura e arrependimento sem cair em estereótipos simplórios. Teresa Ruiz, como Carmen, surge como uma figura de serenidade, embora receba menos destaque do que o necessário para fundamentar a influência de sua fé na mudança de Stu. Malcolm McDowell, por sua vez, encarna um monsenhor rígido, mas sua aparição desperdiça a oportunidade de discutir os dilemas de aceitar um candidato tão controverso no seminário.
A parte estética se vale de escolhas que reforçam o clima realista, como a preferência por câmeras portáteis e paleta de cores discretas, assinadas por Jacques Jouffret. A trilha sonora, apoiada em canções do universo country e do blues, dá um tom rústico à narrativa, embora às vezes soe repetitiva. Em vez de se aprofundar nas sutilezas dos diálogos e na construção de cenas mais densas, o filme recorre a uma abordagem direta, que abrevia as possibilidades de reflexão acerca do processo de conversão.
Essa limitação é perceptível sobretudo quando a história aborda a doença degenerativa diagnosticada em Stu durante o seminário, momento crucial que poderia render um mergulho mais intenso no tema do sofrimento como via de crescimento pessoal. Embora o longa revele lampejos de profundidade ao exibir a fragilidade física do protagonista, o desenvolvimento rápido dessas cenas contrasta com a necessidade de o público sentir a extensão real desse desafio. O roteiro parece preferir a lógica do “mostrar e passar adiante” a permitir que a angústia e a fé emerjam com a gravidade devida.
Há, contudo, um mérito fundamental: evidenciar que a vida de Stu não foi um conto de fadas. Em sua tentativa de retratar a jornada de alguém que flerta com fracassos repetidos até encontrar uma rota de sentido, a obra demonstra certa honestidade ao não pintar o personagem como um santo desde o princípio. Esse realismo possibilita refletir sobre como os tropeços podem funcionar como gatilhos de uma mudança genuína. Se, em muitos instantes, o longa não aprofunda as consequências de cada escolha, ao menos admite que a espiritualidade não apaga o passado e, sim, oferece novas perspectivas a partir dele.
“Luta pela Fé — A História do Padre Stu” se destaca mais pela força de seu elenco do que pelo equilíbrio narrativo. A mensagem de perseverança e fé permanece válida, mas o caminho até ela carece de um tratamento mais meticuloso, sobretudo na hora de converter os conflitos em reflexões consistentes. Mesmo assim, a história real que inspira o enredo mantém um grau de fascínio, especialmente para quem se interessa pelos dilemas do autoconhecimento e pelos paradoxos que emergem ao abraçar uma vida religiosa. O filme deixa a sensação de que, atrás de um roteiro por vezes apressado, existe uma narrativa pulsante, capaz de lembrar que a reconstrução pessoal é complexa, envolve coragem e, acima de tudo, não se completa sem quedas dolorosas ao longo do percurso.
★★★★★★★★★★