Quanto mais se acumula, mais parece faltar — uma verdade paradoxal que permeia as longas horas de “Comer, Rezar, Amar”. Inspirada em uma releitura contemporânea e feminista da Odisseia de Homero, a trama apresenta Elizabeth Gilbert como uma protagonista em crise, dividida entre o desejo por prazeres terrenos e a busca por uma espiritualidade transformadora. De Nova York a Bali, passando pela Índia e Itália, sua jornada aponta que a paz interior é um estado que não se conquista no mundo exterior, mas na complexidade do universo interno.
Ryan Murphy transpõe para a tela o best-seller de 2006 com sensibilidade e precisão, ampliando as contradições que fazem de Elizabeth uma personagem tão fascinante quanto imperfeita. Ao longo de suas experiências, Liz questiona o vazio que mesmo as relações mais estáveis e os confortos materiais não conseguem preencher. Desde as reflexões enquanto pedala por um arrozal até as lições recebidas de um guru balinês que não a reconhece ao reencontrá-la, a narrativa mescla momentos de humor involuntário com episódios de profunda introspecção.
A interpretação de Julia Roberts é o ponto de ancoragem da obra, transformando Liz de uma figura, em certos momentos, detestável em uma mulher humana, vulnerável e autêntica. No roteiro, os diálogos alternam lirismo e ironia, destacando cenas memoráveis, como a dança com Stephen, vivido por Billy Crudup, que encapsula os resquícios de um relacionamento fracassado. James Franco aparece como David, outro personagem que serve para evidenciar os dilemas internos de Liz, com participações pontuais que se mostram altamente eficazes.
A narrativa ganha corpo na Itália, onde Liz se entrega aos prazeres gastronômicos, e na Índia, onde encontra Richard, vivido com habilidade por Richard Jenkins. A amizade inesperada traz à tona reflexões sobre culpa, redenção e autocompreensão, pavimentando o caminho para seu retorno a Bali. É nesse cenário paradisíaco que ela reencontra o guru Ketut, que, de forma cômica, não a reconhece. Entre desfechos emocionantes e momentos de leveza, Liz encara a descoberta de que o desequilíbrio, principalmente no amor, pode ser a chave para uma existência mais plena.
A química entre Julia Roberts e Javier Bardem, que interpreta Felipe, confere um desfecho convincente à história, ainda que a presença de Richard gere saudade nos espectadores. Com um roteiro que explora os altos e baixos da protagonista, “Comer, Rezar, Amar” se destaca por transmitir a ideia de que a felicidade não é um destino final, mas uma construção diária, alimentada pelas imperfeições e pelo desejo constante de autodescoberta.
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