Há momentos em que a adversidade exige que meninos se tornem homens, especialmente no terreno nebuloso da pobreza, onde cada escolha pode significar a diferença entre sobrevivência e desespero. Embora seja amplamente aceito que o dinheiro movimenta o mundo, raramente se reflete sobre como uma fração mínima da riqueza transacionada diariamente em Wall Street poderia transformar a realidade de comunidades inteiras em lugares como o Zimbábue, um dos países mais pobres do mundo. Essa dicotomia, em que abundância e necessidade coexistem de maneira tão gritante, oferece o pano de fundo para uma história que transcende conflitos superficiais.
A teoria da relatividade, proposta por Albert Einstein em 1905, introduziu uma noção intrigante: o tempo é elástico e relativo, uma ideia que, ironicamente, encontra eco na máxima popular de que “tempo é dinheiro”. Em “Fora de Controle”, esse conceito se traduz em um embate em que segundos perdidos se tornam decisivos, e um simples acidente de trânsito desencadeia uma série de eventos capazes de alterar profundamente o destino de dois homens. Roger Michell, com sua direção cuidadosa, constrói não apenas um duelo de personalidades, mas um estudo sobre escolhas e consequências, em que a colisão inicial é apenas o começo.
De um lado, Gavin Banek é um jovem advogado com uma carreira meteórica. Ambicioso e calculista, ele busca garantir o controle de uma fundação milionária para o escritório liderado por seu sogro, Stephen Delano. Com a procuração em mãos, ele corre para o tribunal em meio ao caos do trânsito nova-iorquino, carregando sua confiança numa pasta laranja. Na outra faixa, Doyle Gipson, um homem de meia-idade, luta para reconstruir sua vida. Ele também está a caminho do fórum, onde espera salvar seu casamento e garantir uma nova casa para os filhos. Suas trajetórias se cruzam violentamente em um acidente que simboliza a colisão de dois mundos.
Gipson, solidário, recolhe os pertences de Banek e oferece ajuda. No entanto, Banek, pressionado pelo tempo, o dispensa com um cheque em branco e uma atitude indiferente. A recusa de Gipson em aceitar a solução fácil coloca ambos em um ciclo de retaliação. No tribunal, Banek descobre que a pasta crucial ficou com Gipson, enquanto este, por sua vez, perde a audiência decisiva para seu futuro. A frase casual de Banek, “Mais sorte da próxima vez”, ganha contornos de maldição, reverberando como um eco de ironia cruel.
As diferenças entre os protagonistas vão além das circunstâncias imediatas. Banek, branco e privilegiado, é o retrato da ambição impiedosa. Gipson, negro e marcado por perdas, reflete a luta cotidiana de quem precisa se equilibrar entre a moralidade e a sobrevivência. Quando Banek manipula o sistema para zerar a conta bancária de Gipson, a tensão atinge seu auge. No entanto, longe de ser apenas um embate entre opressores e oprimidos, a narrativa explora as zonas cinzentas que habitam cada escolha e cada ação.
Roger Michell conduz essa trama com a habilidade de quem entende que o peso das decisões humanas é um tema universal. Fugindo de clichês, ele mescla leveza e profundidade ao tratar das consequências do acaso. Ben Affleck e Samuel L. Jackson entregam performances intensas, levando o público a um jogo de gato e rato em que a verdade é revelada de forma tanto traumática quanto redentora. É uma narrativa que desafia a lógica, mas não a fé na justiça poética. No fim, “Fora de Controle” é um lembrete de que, por mais improvável que seja, o inesperado pode transformar vidas de maneiras profundas e irrevogáveis.
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