Pelados em Tambaba

Pelados em Tambaba

Verão de 2025. Estávamos estacionados com cara de viagem em frente ao portão que dava acesso a uma parte restrita da bela praia de Tambaba, na Paraíba. Quatro amigos de longa data aguardando a decisão das esposas: iríamos ou não tirar as roupas de banho? Nada mais democrático — e precavido — do que esperar o resultado do conclave feminino. Afinal, quem tinha as últimas palavras eram sempre os homens: “Sim, senhora”. Por essas e outras, continuávamos vivos. E casados.

— Essas mulheres endoidaram. Não vou me despir.

— A regra é clara, cidadão: só se entra pelado.

— Meu pênis é pequeno demais. Não vou passar essa vergonha. Que se dane praia de nudismo.

— Presta atenção. É mais do que uma praia de nudismo, meu amigo. Chama-se naturismo. É uma espécie de filosofia de vida.

— Estou velho demais para mudar os meus pontos de vista acerca da vida. E se eu tiver uma ereção?

— Você não vai ter uma ereção. E se tiver, ninguém vai perceber.

— Eu me garanto, parceiro. Olha só a felicidade estampada na cara da patroa.

— Como é que as mulheres vão se sentar na praia? Vai entrar areia em tudo quanto é dobra e orifício.

— Relaxa. Pelo menos poderemos aproveitar a culinária local degustando perereca empanada servida ao molho de gorgonzola.

A gargalhada foi geral.

— Menopausa dá nisso. Elas descompensaram. A gente devia deixar as mulheres entrar sozinhas. Daí vamos tomar cerveja, apreciar as falésias e os murundus, se é que me entendem…

— Rapaz, pelo que eu vi até agora, o mulherio está mais para voçoroca do que para falésia.

— E se alguém mexer com a mulher da gente lá dentro?

— Se a gente ficar aqui do lado de fora, nunca saberemos.

— E…

— O que os olhos não veem o coração não sente.

— Não caio nessa esparrela. Foi assim que o Magide perdeu a esposa. E perdeu para outra mulher, o que é pior.

— Tá de brincadeira.

— Sério. Não se pode dar mole.

— Rapaz, a mulherada anda pegando geral.

— Acho que a gente devia passar por essa experiência.

— Pegar a ex do Magide?

— Não, garoto. Não é nada isso. Já estamos aqui mesmo. Qual o problema de ficar sem roupa no meio dos outros banhistas, só para variar? Os índios não vivem nus em suas comunidades?

— Hoje em dia você não pode mais utilizar a palavra “índios”, parceiro. Corrija. São “indígenas”.

— Quanto mi-mi-mi… Que seja. Não são os indígenas que vivem nus em suas comunidades? 

— Viviam. Hoje usam calça jeans, celular e até Hilux.

— Não exagera, cara. A culpa foi do homem branco que se meteu com os povos originários.

— Isso é verdade. Se a gente pensar direitinho, a nudez é uma condição absolutamente natural. Precisamos quebrar paradigmas, amigos.

— Você diz isso porque é ginecologista. Quebra paradigmas toda hora, todo santo dia, ao ver as mulheres dos outros peladas no consultório.

Todos riram novamente.

— Não se trata disso. A gente tem que aprender a olhar a nudez sem malícia, sem maldade e, por que não, com um pouco mais de humanismo e de solidariedade.

— Humanismo e solidariedade? Não entendi. O que quer dizer?

— Olha só para a gente. Nossos corpos são nossas casas, mas são também apenas cascas. Estamos ficando velhos, carecas, fodidos e esquecidos.

— Não me sinto nem um pouco fodido. E você me deve quinhentos. Não se esqueça disso.

— Não se preocupe. Tá anotado.

— Muita gente pratica topless nas praias mais famosas do planeta. Deve ser uma espécie de evolução cultural, um estágio avançado não dar a mínima se uma pessoa do sexo oposto passar nuazinha ao seu lado.

— Nem se for a Paolla Oliveira?

— Huuummm… Agora você pegou pesado, amigão.

— Já ouvi dizer que mulheres bonitas não frequentam praias de nudismo.

— Será?

— No duro. O que uma diva como a Paolla Oliveira ganharia frequentando uma praia lotada de gente anônima e pelada que não tiraria os olhos de cima daquele corpanzil que é uma verdadeira obra de arte talhada por Deus?

— Você tem razão. Só barrigudos de bumbuns murchos fariam isso. Nós, por exemplo, se as mulheres mandassem.

— Quem não tem barriga não tem história.

— Minha bunda tá zero bala.

— Eu não vou entrar e ponto final. Minha mulher não manda em mim.

— Fala baixo. Ela pode escutar.

— Se as mulheres quiserem, a gente vai ter que entrar, parceiro. Viagem em grupo é assim. Precisa pensar no coletivo.

— Estou pensando no mico coletivo que a gente vai pagar. Não quero ver vocês pelados. Credo! Muitos menos, as esposas. Pensem nisso. Somos compadres. Isso vai dar merda. Quem avisa amigo é.

— Desencana, meu jovem. É só não ficar olhando pra gente, nem para as digníssimas. Fica de olho na paisagem. Vai que encontra uma falésia…

— E a ereção?

— Não se preocupe com o pescocinho-de-frango. Ele vai se comportar.

— Pessoal, no final das contas, todo mundo é igual. Por dentro e por fora. Só muda o endereço.

— Se a gente já sabe, pra que ficar pelado na praia? O que ganhamos com isso?

— Areia no rabo. Aliás, vou compor uma canção usando esse título: Areia no rabo. Tipo “Dust in the Wind”, do Kansas.

— Faça isso. Tem tudo a ver. E vamos incluí-la no repertório da banda. Tudo o que somos é poeira ao vento. Era exatamente isso o que eu estava tentando dizer pra vocês, amigos.

— Chega de lorota. Proponho fazermos uma votação entre nós quatro.

— Nossos votos não valem porra nenhuma. Quem manda são as mulheres, você sabe disso. Aliás, quem teve a ideia de virmos até Tambaba? A gente devia ter ficado na praia do Bessa. Ou Coqueirinho. Praia de nudismo é latada, turma. Vai por mim.

— Nudismo, não. Naturismo.

— Que seja. Não tem lógica. Um agrônomo abonado. Um jornalista bem-sucedido. Um programador de sistemas que beira a genialidade. Um médico que vê tetas e pererecas de tudo quanto é qualidade, full time. Por que essa história de andarmos pelados na praia? Não consigo enxergar nenhuma vantagem. Vai que alguém fotografa, põe nas redes sociais. Isso sem contar o vento norte, o risco de constipar a genitália desnuda por causa da maresia. Ou pior ainda: tomar picada de marimbondo.

— Marimbondo na praia? Não tem marimbondo na praia.

— Eu já vi abelhas. Elas gostam de lamber as latas de Coca-Cola.

— Tá vendo só? O procedimento todo envolve riscos. Não vim lá de Goiás para tomar ferroada de abelha no cacete.

— Ao menos ficaria bem-dotado.

— Sua irmã nunca reclamou.

— Olha…

Fazia décadas que tínhamos saído da quinta-série, mas a quinta-série nunca saía da gente. A resenha foi interrompida pela aproximação das mulheres. Elas retornavam com o veredicto.

— Pessoal, a gente não vai entrar.

— Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

— Para sempre seja louvado.

— Por que vocês mudaram de ideia, meu amor? Estávamos bem animados.

— As ostras.

— As ostras? Que ostras?

— As ostras que comemos na praia, mais cedo. Estão começando a cantar na barriga da gente.

— Eu avisei para não comerem aquilo. Queijo coalho é um perigo também.

— Precisamos voltar pro hotel. E rápido.

— Eu disse que ia dar merda.

— Bora, gente. Acelera.

Voltamos para João Pessoa, mais rápido do que o evacuar de um ganso. Rubem Alves tinha razão: ostras felizes não faziam pérolas. Mas não éramos ostras. Éramos felizes. E demasiadamente bestas, apesar da idade.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a Revista Bula há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente Bipolar, uma antologia de contos e crônicas.