Quanto mais se ganha, mais se tem a perder. Este parece um raciocínio elementar, mas as privações lucrativas do amor, mais que um brutal oximoro, são um manancial de constantes revelações para quem se permite beber dessa água, turva, às vezes salobra, mas sempre salvadora, terapêutica, curativa. Há maneiras e maneiras de se cantar o mais humano e o mais nobre dos sentimentos, aquele que encerra tudo quanto se possa querer da vida, o mesmo que torna o insignificante, valioso e faz com que lembremos do mais secreto de nós mesmos, tão oculto e abafado que demoramos a reconhecer como parte do que somos.
“Vermelho, Branco e Sangue Azul” é mais um filme a cristalizar a pink wave, a onda rosa que toma do cinema do mundo, da Califórnia a Coreia do Sul, passando por Israel e Reino Unido, país onde se passa boa parte do longa de Matthew López, baseado no romance homônimo da americana Casey McQuiston. Ninguém se atreve a questionar a excelência técnica do trabalho de López, cujo roteiro, dele, de McQuiston e Ted Malawer, salta do pastelão para um drama de família ligeiro, e daí para o erótico, para, finalmente, arrematar com o detalhamento da história do amor improvável que alicerça a narrativa; o problema é que, embora irrepreensivelmente contado, tudo o que vai em “Vermelho, Branco e Sangue Azul” é farsesco demais, artificioso demais, bonito demais, fácil demais, por maior que possa ser a licença poética dos autores e da boa vontade e da torcida do público. Se não, vejamos.
Um casamento na Igreja Colegiada de São Pedro, a Abadia de Westminster, renova, mais uma vez, as esperanças do povo da Inglaterra. Philip, o príncipe de Gales mais velho, está se unindo em matrimônio a uma plebeia, e, claro, vêm à memória as imagens da cerimônia de enlace de Charles e Diana (1961-1997) — que trocaram alianças na Catedral de São Paulo. No Palácio de Buckingham, Philip e a princesa Martha recebem os cumprimentos das mais elevadas autoridades de todo o planeta, a única ocasião em que se pode analisar as performances de Thomas Flynn e Bridget Benstead, que desaparecem ao longo do pouco menos de duas horas de exibição, junto com uma infinidade de coadjuvantes, outro dos grandes problemas de “Vermelho, Branco e Sangue Azul”. Os recém-casados vêm, como manda a tradição, dispensando seus cumprimentos aos convidados, do mais idoso para o mais novo, e enquanto isso, Henry George Edward James Hanover-Stuart-Fox, o caçula da realeza britânica, e Alexander Gabriel Clarmont-Diaz, filho da presidente dos Estados Unidos, representando a mãe ao lado de Nora Holleran, neta do vice-presidente, disparam torpedos um contra o outro, tudo na maior discrição.
No salão de baile, Nora, vivida com dignidade por Rachel Hilson, sai para conferir de mais perto as interessantes presenças masculinas, deixando Alex sozinho. Como o camundongo hipnotizado pela serpente, mesmo que ainda não saiba — e incentivado por hectolitros de champanhe do bom e uísque escocês —, Alex se aproxima de Henry, e os dois começam uma sessão de puglilato com luvas de pelica, como só os mais bem-educados representantes da aristocracia monárquica ou eleita, com um bolo de dez pés de altura ao fundo. Todo mundo suspeita o que pode acontecer (e de fato acontece), princípio de um incidente diplomático que Ellen Clarmont, mandatária-mor da América e mãe de Alex, exige que ele repare.
Fora sobrenomes quilométricos, revelados depois que os personagens de Nicholas Galitzine e Taylor Zakhar Perez já fizeram o que todos também já imaginava, Henry e Alex não tem nada em comum. A despeito da lógica, mas muito jeito, López empurra garganta da audiência abaixo o romance dos dois rapazes, que, lamento, não se mostra orgânico nem com a tonelada de glacê do bolo destroçado na introdução. O filme presta-se apenas a um expediente muito rasteiro de colocar dois homens bonitos nus e sob os mesmos lençóis, acusação que igualmente poder-se-ia fazer a “Saltburn” (2023), se o filme de Emerald Fennell não fosse tão sedutoramente diabólico. A doçura de “Vermelho, Branco e Sangue Azul” enjoa, muito mais que certa práticas de Oliver Quick, o malvado favorito já eternizado por Barry Keoghan.
★★★★★★★★★★