143 milhões de pessoas no mundo inteiro assistiram: suspense com Julia Roberts e Ethan Hawke é um dos mais vistos da história da Netflix Divulgação / Netflix

143 milhões de pessoas no mundo inteiro assistiram: suspense com Julia Roberts e Ethan Hawke é um dos mais vistos da história da Netflix

Sam Esmail, conhecido por suas incursões em narrativas distópicas e intensamente psicológicas, conduz em “O Mundo Depois de Nós” uma reflexão devastadora sobre os caminhos autodestrutivos da humanidade. Inspirado no romance de Rumaan Alam, o filme mescla com habilidade elementos do cotidiano a críticas sociais contundentes. Em uma abordagem quase panfletária, Esmail não apenas aponta as mazelas — como o racismo, cuja persistência desafia a racionalidade — mas também expõe com precisão cirúrgica as fragilidades do ideal de progresso humano.

No centro dessa narrativa está Amanda Sandford, personificação de um niilismo disfarçado de sofisticação urbana. Vivendo em um apartamento de luxo no Brooklyn, Amanda, interpretada com maestria por Julia Roberts, encarna uma insatisfação visceral, refletida nas paredes azuladas do apartamento — descascadas, rachadas, como um espelho de seu mundo interior. Em um monólogo seco e contundente, Amanda revela seu desprezo por aqueles que se dedicam à ilusão de melhorar o mundo. Roberts entrega uma atuação magnética, alternando entre o cínico e o vulnerável, com um olhar que antecipa a tragédia iminente.

A cinematografia de Tod Campbell reforça o contraste entre a aparência de normalidade e o sombrio colapso que se aproxima. A luz, frequentemente suave, intensifica o desconforto de uma narrativa que oscila entre o cotidiano e o apocalíptico. Amanda, acompanhada de seu marido Clay (Ethan Hawke) e seus filhos, Rose (Farrah Mackenzie) e Archie (Charlie Evans), aluga uma casa de campo em Long Island para um final de semana que deveria ser tranquilo. Contudo, pequenos sinais de ruptura começam a surgir: a queda do Wi-Fi e notícias de desastres distantes evocam um clima de tensão crescente.

Essa atmosfera se intensifica com a chegada inesperada de G.H. Scott (Mahershala Ali) e sua filha Ruth (Myha’la), que afirmam ser os verdadeiros proprietários da casa. Eles relatam um apagão em Nova York, mas sua presença é imediatamente contestada por Amanda, cujo ceticismo mascara preconceitos raciais profundos. A interação entre Amanda e G.H. é um duelo de performances brilhantes: enquanto Roberts revela os abismos da suspeita e do privilégio, Ali imprime dignidade e paciência em um personagem que desafia o conforto do espectador.

A narrativa de Esmail funde o humor ácido de “Não Olhe para Cima”, de Adam McKay, à inquietante crítica social de “Corra!” e “Não! Não Olhe!”, de Jordan Peele. A tensão escala com eventos que testam a capacidade dos personagens de lidar com o colapso do que consideravam seguro e estável. O humor negro permeia momentos cruciais, revelando a mesquinhez humana com uma crueza que desafia o espectador a rir do que é, na essência, aterradoramente familiar.

O desfecho, longe de resolver os conflitos, se assemelha ao ato final de uma série que recusa finais fáceis. Esmail deixa o público em suspenso, com uma reflexão amarga sobre as relações interpessoais e as estruturas sociais que nos definem. “O Mundo Depois de Nós” é, acima de tudo, um espelho perturbador de nossos medos e falhas, entregue por um diretor que domina a arte de confrontar seu público com verdades incômodas.

Filme: O Mundo Depois de Nós
Diretor: Sam Esmail
Ano: 2023
Gênero: Drama/Thriller
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★