A colonização das Américas é um capítulo de brutalidade, onde diferentes potências europeias impuseram seus interesses às custas de populações nativas e escravizadas. Apesar de diferenças entre os processos, como a abordagem relativamente mais “indireta” da Inglaterra nos territórios que viriam a formar os Estados Unidos, em contraste à violência direta de Portugal e Espanha na América Latina, ambos os cenários compartilham histórias de exploração, guerras e resistência.
Nos Estados Unidos, a consolidação territorial foi um processo prolongado, concluído apenas em 1959, após uma série de tratados, anexações e conflitos internos e externos. Hoje, o país é formado por 48 estados contíguos, o Alasca, o Havaí e territórios ultramarinos como Porto Rico e Guam. Cada região carrega marcas de uma história moldada por violência, negociações e deslocamentos forçados.
É nesse cenário que a minissérie “Terra Indomável”, da Netflix, encontra seu palco. Ambientada no Oeste americano de 1857, a produção explora o Massacre de Mountain Meadows, um dos eventos mais controversos da história dos EUA, ocorrido durante a Guerra de Utah. Com uma narrativa densa e uma abordagem sem concessões à violência, a série oferece um retrato visceral das tensões entre grupos mórmons, comunidades nativas, colonos estrangeiros e o governo americano.
Criada por Mark L. Smith, roteirista de “O Regresso”, a produção não economiza em cenas cruas de brutalidade, colocando o espectador frente a frente com a realidade impiedosa do Velho Oeste. Cada ato de violência é retratado de forma direta e desconfortável, reforçando a constante sensação de perigo que permeava a época. Essa escolha narrativa reflete a tensão psicológica e o medo que definiam a sobrevivência em territórios disputados por diferentes facções.
A trama acompanha Sarah Rowell (Betty Gilpin), uma mãe determinada a conduzir seu filho Devin (Preston Motta) até uma cidade onde acredita encontrar o pai da criança. Rejeitada por diversos guias ao longo de sua jornada, Sarah finalmente consegue o apoio relutante de Isac (Taylor Kitsch), um mercenário endurecido pela vida. O duo se junta a Two Moons (Shawnee Pourier), uma jovem nativa que teve a língua cortada após matar seu agressor, formando uma aliança improvável em meio a um cenário de perseguições e traições.
Paralelamente, acompanhamos Jacob Pratt (Dane DeHaan), um mórmon jovem e idealista que, junto de sua esposa Abish (Saura Lightfoot-Leon), tenta construir uma vida em terras prometidas. Seus sonhos são devastados quando um ataque orquestrado por mórmons e membros da etnia Paiute resulta em um massacre que separa Sarah e Devin de seu grupo. Enquanto Abish é capturada pelos nativos Shoshone, Jacob embarca em uma busca frenética para resgatá-la, enfrentando dilemas morais que questionam suas crenças e lealdades.
Ao longo dos episódios, “Terra Indomável” aprofunda-se nos dilemas enfrentados pelos personagens, expondo as consequências de escolhas extremas em um ambiente onde alianças são instáveis e a sobrevivência é incerta. O roteiro evita maniqueísmos, mostrando que não há heróis ou vilões absolutos. Em vez disso, a série apresenta um mosaico de motivações humanas, desde a luta por terras até a manipulação religiosa, passando pela necessidade de vingança e proteção familiar.
O encontro de Abish com os Shoshone é particularmente impactante, levantando questões sobre os limites da moralidade em tempos de desespero. As interações entre os diferentes grupos revelam um cenário de desconfiança mútua, onde a violência é tanto uma ferramenta de opressão quanto um recurso de sobrevivência. A narrativa também explora o papel da fé como força motriz para o bem e o mal, questionando as contradições intrínsecas à condição humana.
Distante de clichês e romances idealizados, “Terra Indomável” se destaca por sua abordagem implacável e realista. A produção não se esquiva de retratar a violência e a dor que moldaram o Oeste americano, oferecendo um retrato nu e cru de um período histórico marcado por disputas territoriais, manipulações políticas e a complexidade das relações humanas em tempos extremos. Com atuações fortes e um roteiro que desafia o espectador a refletir sobre os limites da humanidade, a série consolida-se como uma obra impactante e memorável.
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