Desde os primórdios do cinema, a Polônia desempenhou um papel singular ao registrar a complexidade de sua história e cultura por meio da sétima arte. Um exemplo emblemático é “Cultura Prussiana” (1908), obra de Mojżesz Towbin que retratava a revolta estudantil de Września em 1901. Proibido por ordens do czar Nicolau II e considerado perdido por décadas, o filme foi redescoberto apenas em 2000, escondido em um arquivo parisiense, pelos pesquisadores Małgorzata e Marek Hendrykowski. Essa recuperação não só resgatou uma peça fundamental do passado, mas também reafirmou a vocação da cinematografia polonesa em abordar questões históricas e sociais com profundidade e coragem.
Ao longo de mais de um século, cineastas poloneses como Andrzej Wajda, Krzysztof Kieslowski e Roman Polanski consolidaram uma herança cinematográfica que oscila entre lirismo, provocação e reflexão. Cada um deles explorou temáticas universais através de um prisma nacional, desafiando convenções e enfrentando censuras. Em “O Pianista” (2002), Polanski não apenas revisita a autobiografia de Wladyslaw Szpilman, mas também confronta as próprias memórias traumáticas de uma infância marcada pela perseguição nazista. Essa conexão visceral entre diretor e tema confere ao filme uma intensidade única, transformando-o em um testemunho pessoal e coletivo sobre a barbárie.
A trama acompanha Szpilman, interpretado com brilhantismo por Adrien Brody, um pianista judeu que luta para sobreviver à ocupação nazista em Varsóvia. Desde a cena inicial – em que ele toca Chopin em uma estação de rádio enquanto as bombas alemãs destroem a cidade — o filme estabelece um contraponto entre a beleza da arte e a brutalidade da guerra. Chopin, outro polonês radicado na França, torna-se um símbolo de resistência, inspirando Szpilman a perseverar mesmo diante do inominável. Essa narrativa de sobrevivência ganha camadas adicionais quando Polanski, ele mesmo um sobrevivente do Holocausto, insere elementos autobiográficos que reforçam a autenticidade emocional do enredo.
Szpilman é apresentado como um homem complexo, ao mesmo tempo altivo e vulnerável. Sua recusaa uma oferta de trabalho para os nazistas desencadeia uma série de eventos que o colocam em rota de colisão com o horror absoluto. O filme retrata sua luta para escapar da captura, ajudado pela resistência polonesa, em um retrato angustiante de uma Varsóvia devastada, onde cada rua parece ecoar o sofrimento de milhares. Polanski constrói um cenário de desespero palpável, contrastado pela resiliência de Szpilman e por momentos de inesperada humanidade, como seu encontro com Wilm Hosenfeld, um capitão nazista interpretado com sobriedade por Thomas Kretschmann. Essa relação, marcada pela tensão e pela ambiguidade, revela as contradições da condição humana mesmo em tempos de extrema crueldade.
“O Pianista” transcende a biografia de Szpilman para se tornar uma meditação sobre a sobrevivência e a dignidade diante do caos. A Polônia, palco de incontáveis tragédias, emerge como uma metáfora viva de resistência e renascimento. A atuação de Adrien Brody, que lhe rendeu um Oscar, é o coração pulsante dessa história, equilibrando fragilidade e força em uma interpretação memorável. Por meio do lirismo morbidamente belo de Polanski, somos convidados não apenas a lembrar, mas a refletir sobre as lições de um passado que ainda ecoa no presente.
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