Com Scarlet Johansson e Morgan Freeman, filme vai manter seus olhos presos na tela, na Netfilx Divulgação / Universal Pictures

Com Scarlet Johansson e Morgan Freeman, filme vai manter seus olhos presos na tela, na Netfilx

Já não se fazem heroínas como antigamente — e ainda bem. Se, por décadas, os holofotes do cinema de ação recaíam quase exclusivamente sobre homens, hoje as mulheres não apenas reivindicam esse espaço como o redefinem. Scarlett Johansson encarna com maestria essa nova era. Transitando entre dramas densos como “História de um Casamento” (2019), dirigido por Noah Baumbach, e blockbusters como “Viúva Negra” (2021), ela demonstra uma versatilidade que transcende estereótipos. Em “Lucy” (2014), Johansson se destaca mais uma vez sob a direção de Luc Besson, entregando uma atuação que desafia limites e expectativas, elevando um roteiro que mistura ficção científica e thriller filosófico.

Desde a cena inicial, Besson deixa claro que sua Lucy é uma protagonista singular. Em um diálogo inicialmente leve, mas carregado de tensão latente, Lucy e Richard, interpretado por Pilou Asbæk, discutem o destino de uma mala misteriosa. A bagagem, lacrada e de conteúdo desconhecido, pertence ao enigmático Jang, vivido por Choi Min-sik, um antagonista cuja frieza contrasta com a intensidade crescente da narrativa. Relutante, Lucy é convencida por Richard a entregar o objeto. O que parecia ser um favor despretensioso rapidamente se transforma em um pesadelo, e a partir desse ponto o filme toma um rumo visceral, onde a violência psicológica e física definem os próximos passos da protagonista.

O encontro de Lucy com Jang é uma virada decisiva. Besson cria uma atmosfera sufocante, onde a vulnerabilidade inicial de Lucy logo se transforma em algo mais feroz. A brutalidade da situação não apenas marca a personagem, mas também catalisa sua transformação. Submetida à força de uma droga experimental que altera suas capacidades cognitivas, Lucy transcende os limites da humanidade, atingindo uma compreensão e poder que a colocam muito à frente dos outros personagens e, em certa medida, do próprio espectador.

Besson utiliza a premissa científica — a teoria amplamente desacreditada de que usamos apenas 10% do nosso cérebro — como uma ferramenta narrativa, não como um fato a ser levado ao pé da letra. Morgan Freeman, no papel do professor Samuel Norman, assume o papel de guia filosófico, explicando as implicações dessa expansão cognitiva ao público e aos personagens em cena. Se o conceito é simplista, a execução de Besson é estilisticamente eficaz, entrecortando a narrativa com sequências que remetem à evolução humana e às possibilidades infinitas da inteligência artificial.

No entanto, Lucy não é apenas uma história de empoderamento ou superação. A transição da personagem é acompanhada de perdas irreparáveis. Quanto mais Lucy acessa as vastidões de sua mente, mais ela se afasta de sua humanidade. Essa dicotomia é evidenciada na relação dela com Pierre del Rio, interpretado por Amr Waked. Embora limitado em profundidade, o relacionamento serve como um contraponto à ascensão quase divina de Lucy, lembrando que, apesar de tudo, ela ainda busca uma conexão — algo que sua evolução progressivamente inviabiliza.

O simbolismo em “Lucy” também merece destaque. Besson traça paralelos entre a personagem e Lucy, o fóssil da primeira mulher da espécie humana. Assim como sua homônima ancestral, a Lucy de Johansson é um marco de transição, representando não apenas o potencial da espécie, mas também as consequências desse progresso. Ao final, a evolução plena de Lucy a coloca em um estado de existência além do material, mas também a isola irrevogavelmente de tudo o que a conectava ao mundo.

Entre cenas de ação estilizadas e reflexões sobre o significado da existência, “Lucy” desafia o espectador a ponderar até onde a busca pelo progresso pode nos levar. Não é apenas uma jornada de empoderamento feminino ou uma ode à ciência; é também uma meditação sobre o que nos torna humanos e o que está em jogo quando ultrapassamos esses limites. Scarlett Johansson, com sua presença magnética, lidera essa jornada com intensidade, consolidando-se como uma das mais versáteis e impactantes atrizes de sua geração.

Filme: Lucy
Diretor: Luc Besson
Ano: 2014
Gênero: Ação/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★