Periodicamente, acontecimentos históricos ganham novas interpretações quando estudiosos e artistas lançam luz sobre aspectos antes negligenciados. Em “Tempo de Glória” (1989), Edward Zwick confronta mitos e lacunas sobre a Guerra Civil Americana (1861-1865), contribuindo para corrigir percepções distorcidas sobre um período crucial na história dos Estados Unidos. O filme revela não apenas os conflitos em torno da escravidão, mas também destaca um capítulo frequentemente ignorado: a participação de soldados negros no confronto, um tema relegado à margem até mesmo entre historiadores.
Zwick explora a saga do 54º Regimento de Massachusetts, uma unidade formada exclusivamente por soldados afro-americanos, que enfrentaram não apenas o inimigo no campo de batalha, mas também o racismo dentro de suas próprias fileiras. A narrativa é conduzida pelo ponto de vista de Robert Gould Shaw (1837-1863), o jovem coronel branco que liderou o regimento. Shaw, interpretado por Matthew Broderick com uma intensidade contida, é mostrado como um homem dividido entre privilégios de classe e um senso de dever que o impulsiona a abraçar a causa abolicionista. Contudo, a decisão de centrar a história em uma figura branca não escapa a críticas, já que ofusca, em partes, a contribuição dos próprios soldados negros que lutaram e morreram por liberdade.
A abertura do filme apresenta os acampamentos em Antietam Creek, Maryland, com tomadas amplas que permitem ao espectador imergir no cenário histórico. O roteiro de Kevin Jarre, no entanto, equilibra momentos de introspecção e tensão dramática com diálogos que celebram heróis como Frederick Douglass (1818-1895), ícone do movimento pelos direitos civis, e figuras ficcionais como Thomas Searles (1836-1863), um soldado negro instruído e idealista. Andre Braugher entrega uma performance marcante como Searles, encarnando o dilema de um homem preso entre sua origem e as expectativas de um mundo que o rejeita. Contudo, o personagem é subutilizado, servindo mais como uma ponte narrativa para outros pontos da trama.
Entre os destaques, Denzel Washington, no papel de Trip, um escravo fugido de temperamento explosivo, brilha em uma performance visceral. Sua atuação lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, ainda que o tempo de tela seja limitado. Trip é o contraponto a personagens como Shaw e Searles, representando a raiva acumulada de séculos de opressão. Já Morgan Freeman, como John Rawlins, desempenha o papel de mentor moral do regimento, adicionando camadas de sabedoria e equilíbrio ao grupo.
A sequência final, marcada pelo ataque ao Forte Wagner em 18 de julho de 1863, sintetiza a bravura e o sacrifício do 54º Regimento, que enfrentou uma derrota devastadora. No entanto, historiadores reconhecem esse evento como um marco simbólico que ajudou a pavimentar o caminho para a abolição da escravatura nos Estados Unidos. Mesmo com suas falhas, “Tempo de Glória” permanece um tributo poderoso à resiliência de homens que, contra todas as probabilidades, lutaram não apenas por liberdade, mas pela redefinição do papel dos afro-americanos na construção da nação.
Essa produção, ao reconstituir um capítulo essencial e ignorado da história, desafia o público a refletir sobre os desdobramentos históricos da Guerra Civil, convidando-nos a reconsiderar os ecos dessa luta nos dias atuais.
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