O cinema adulto, com suas histórias provocativas e densas, parece estar desaparecendo das grandes plataformas de streaming e, mais ainda, das salas de exibição. Os estúdios têm evitado explorar narrativas que abordem as complexidades da vida conjugal com nuances eróticas e psicológicas. Quando esse tipo de conteúdo surge, geralmente em cantos obscuros da internet, ele carrega consigo uma sensação de transgressão. Vivemos uma era onde o politicamente correto muitas vezes sufoca a ousadia criativa, tornando raro o espaço para obras que desafiem normas e convenções.
Nesse contexto, “Águas Profundas” (2022), dirigido por Adrian Lyne, emerge como uma exceção intrigante. Conhecido por clássicos como “9½ Semanas de Amor” (1986), “Atração Fatal” (1987) e “Proposta Indecente” (1993), Lyne retorna após uma longa pausa, reafirmando seu talento para explorar os cantos mais sombrios das relações humanas. Baseado no romance homônimo de Patricia Highsmith, publicado em 1957, o filme não se intimida em confrontar temas delicados como traição, desejo e moralidade.
No centro da trama estão Vic e Melinda Van Allen, interpretados por Ben Affleck e Ana de Armas. Vic é um homem aparentemente tranquilo, mas que carrega um ressentimento crescente pela infidelidade descarada de sua esposa. Melinda, por sua vez, é provocativa e cruel, alimentando sua satisfação em desafiar os limites do marido com suas aventuras extraconjugais. Essa dinâmica cria um jogo psicológico tenso, onde a linha entre o amor e o ódio se torna perigosamente fina. Affleck entrega uma performance contida e ameaçadora, enquanto De Armas brilha como a esposa que manipula e provoca com um misto de ingenuidade e malícia.
A narrativa ganha intensidade quando Vic, em um momento de provocação, afirma ter assassinado um dos amantes de Melinda. Inicialmente, parece apenas uma tentativa de reafirmar controle, mas a dúvida se instala: estaria ele falando a verdade? Essa incerteza permeia o filme, sustentando um suspense que cresce a cada cena. A chegada de Lionel (Tracy Letts), um vizinho desconfiado e determinado a desvendar os segredos de Vic, adiciona outra camada de complexidade. A questão ética também emerge, especialmente quando descobrimos que Vic enriqueceu vendendo drones usados em conflitos militares, ampliando as reflexões sobre poder e destruição.
Lyne conduz o filme com maestria, alternando entre momentos de erotismo e suspense, sem jamais sacrificar a tensão emocional. O casal protagonista é apresentado como predadores em busca de satisfações distintas: Vic é obcecado pelo controle e pela superioridade que o dinheiro lhe proporciona, enquanto Melinda encontra poder e rejuvenescimento em suas conquistas sexuais. Esse contraste torna a relação entre eles ao mesmo tempo repulsiva e fascinante.
Embora o desfecho possa parecer abrupto, ele reflete a ousadia de Lyne em evitar soluções convencionais. O diretor, que já foi aclamado e criticado com igual intensidade ao longo de sua carreira, demonstra uma compreensão profunda das contradições humanas. Ao expor os “demônios” que habitam seus personagens, ele nos lembra que a perfeição exterior muitas vezes mascara conflitos internos devastadores.
“Águas Profundas” não é apenas um retorno de Adrian Lyne, mas uma reafirmação de sua relevância em um cenário cinematográfico que frequentemente opta pela segurança em detrimento da provocação. Em um momento em que o cinema adulto enfrenta um eclipse, obras como esta são um lembrete poderoso do que o gênero pode oferecer: uma exploração visceral das paixões e fragilidades que nos tornam humanos.
★★★★★★★★★★
