Aventura épica de 1 bilhão de reais, com Gerard Butler, na Netflix Divulgação / Summit Entertainment

Aventura épica de 1 bilhão de reais, com Gerard Butler, na Netflix

Se os deuses egípcios realmente existissem, é improvável que tivessem qualquer semelhança com Gerard Butler ou Nikolaj Coster-Waldau. Essa desconexão não é apenas uma questão de escalação de elenco, mas um sintoma de um fenômeno mais profundo e recorrente: a “branquização” de culturas não ocidentais. Assim como figuras religiosas como Jesus ou Maria foram retratadas ao longo dos séculos sob uma ótica eurocéntrica, o cinema frequentemente reproduz esse viés, apagando ou distorcendo identidades culturais em nome de uma narrativa mais “palatável” ao público global.

Em “Deuses do Egito” (2016), o diretor Alex Proyas, nascido no Egito e naturalizado australiano, comete um erro que transcende a esfera artística ao ignorar a rica herança cultural de sua própria terra natal. O filme gerou um intenso debate sobre o “whitewashing” – a prática de escalar atores brancos para papéis que deveriam representar outras etnias. Confrontado pelas críticas, Proyas chegou a se desculpar publicamente, reconhecendo a falha em representar a diversidade histórica do Egito antigo. No entanto, as desculpas não foram suficientes para apagar o impacto negativo da escolha de elenco, que acabou por reforçar estereótipos e subverter a autenticidade que o tema exige.

Apesar das controvérsias culturais, é inegável que o filme é um marco no quesito visual. Com cenas inteiramente concebidas em CGI, “Deuses do Egito” busca impressionar pela grandiosidade estética, oferecendo um banquete visual repleto de detalhes. Uma das sequências mais notáveis, que demandou dois anos para ser finalizada, exemplifica o compromisso técnico da produção. No entanto, esse esplendor visual não consegue mascarar as limitações do enredo, que reduz a mitologia egípcia a um conto simplificado e desprovido de profundidade simbólica.

O enredo acompanha Bek (Brenton Thwaites), um jovem ladrão mortal cujo destino se entrelaça ao de Hórus (Coster-Waldau), o deus que perdeu a visão e foi exilado após ser traído pelo tio Set (Gerard Butler). Set, responsável por assassinar o pai de Hórus e usurpar o trono, simboliza a tirania e o caos. Motivado pela promessa de trazer sua amada Zaya (Courtney Eaton) de volta à vida, Bek se torna um aliado improvável na jornada de Hórus para recuperar seus olhos e, com eles, o trono perdido. Essa parceria, marcada pela tensão entre o humano e o divino, conduz a uma narrativa repleta de aventuras em reinos fantásticos, criaturas mitológicas e batalhas apoteóticas. Para Hórus, entretanto, a jornada é também um processo de redenção pessoal e autodescoberta, oferecendo camadas de complexidade ao personagem.

Embora a história se construa sobre uma base de ação ininterrupta e efeitos especias exuberantes, “Deuses do Egito” falha em aprofundar o universo que pretende retratar. A mitologia é diluída em função de um entretenimento rápido e superficial, o que resulta em uma experiência que, apesar de visualmente rica, carece de substância cultural. O filme, portanto, não apenas decepciona quem busca uma representação autêntica do Egito antigo, mas também desperdiça a oportunidade de explorar narrativas mais significativas.

Com um orçamento robusto de 140 milhões de dólares, a produção arrecadou modestos 150 milhões mundialmente, mal recuperando os custos de produção e sendo amplamente considerada um fracasso financeiro. Essa performance comercial pouco impressionante reflete não apenas as limitações do filme em atrair audiências diversificadas, mas também o peso das críticas que corroeram sua reputação antes mesmo do lançamento.

“Deuses do Egito” permanece como um exemplo emblemático de como grandes produções podem alcançar altos patamares técnicos enquanto tropeçam em questões de representação cultural. Mais do que um estudo sobre mitologia, o filme se torna um caso paradigmático das tensões entre autenticidade cultural e a busca por apelo global, destacando a necessidade de narrativas que respeitem a riqueza histórica sem sacrificar a diversidade em nome do entretenimento.

Filme: Deuses do Egito
Diretor: Alex Proyas
Ano: 2016
Gênero: Ação/Aventura/Fantasia
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★