A mágica do cinema reside em transformar boas ideias em obras que reverberam, especialmente quando um ator se compromete a dar vida ao argumento com autenticidade. Em “Cam”, Daniel Goldhaber explora as intricadas dinâmicas da identidade nas redes sociais, centrando-se em um universo polêmico: os sites de conteúdo adulto. Nesse terreno, onde fantasia e realidade frequentemente se confundem, o filme questiona os limites entre o mundo virtual e o físico, recorrendo a uma abordagem provocativa e instigante. Embora o tema não seja novo, a perspectiva adotada pela produção inova ao propor reflexões afiadas sobre as consequências dessas interações digitais.
O humor crítico é uma ferramenta poderosa para expor e transformar os costumes, e o terror, por sua vez, revela-se o gênero perfeito para esse papel. Desde os primórdios do cinema, como em “A Mansão do Diabo” de Méliès, histórias que desnudam as hipocrisias sociais têm impactado audiências. Goldhaber segue essa tradição ao construir sua narrativa sobre um pilar semelhante, mas adaptado aos desafios contemporâneos do ciberespaço. Em “Cam”, ele não apenas revisita temas clássicos, mas os reinventa com um olhar afiado para as complexidades da vida digital.
Alice Ackerman, interpretada por Madeline Brewer, é o centro gravitacional da trama. Sob o pseudônimo Lola, ela trabalha como cam girl, um ofício que lhe oferece segurança e rendimentos expressivos. No entanto, esse ambiente de aparente controle começa a desmoronar quando uma sósia perfeita emerge para usurpar seu espaço. A narrativa explora as nuances desse conflito, revelando as fragilidades da protagonista, que, até então, navegava com autossuficiência em um universo que combina exposição e anonimato. As interações com personagens como Tinker e Barney adicionam camadas à história, destacando o contraste entre o domínio que Alice acredita ter e a realidade que a confronta.
O filme ganha intensidade a partir de sua principal reviravolta, quando a impostora começa a desafiar os limites de Alice. Goldhaber conduz a narrativa com maestria, utilizando o roteiro de Isa Mazzei para equilibrar momentos de tensão e introspecção. Embora em certos trechos a trama se perca em divagações, o diretor recupera o ritmo ao enfatizar a crescente ameaça da duplicata, que abala não só o controle de Alice sobre seu universo, mas também sua percepção de si mesma. A tensão atinge o ápice quando a protagonista é forçada a enfrentar não apenas a intrusa, mas as contradições de sua própria existência.
No entanto, mais do que uma disputa de identidade, a jornada de Alice reflete um despertar. Ao ser confrontada com os limites da vida que escolheu, ela percebe o impacto de suas decisões na construção de quem é. Madeline Brewer entrega uma atuação que captura com sensibilidade as transformações da personagem, transmitindo fragilidade e força em igual medida. Mesmo após vencer o conflito imediato, Alice permanece uma figura ambígua, presa entre a liberdade de errar e as consequências de viver em um mundo onde nada é completamente descartável.
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