Filme com Jim Parsons e Andrew Rannells é uma daquelas pequenas obras-primas escondidas na Netflix, que vale cada segundo do seu tempo Everett White / Netflix

Filme com Jim Parsons e Andrew Rannells é uma daquelas pequenas obras-primas escondidas na Netflix, que vale cada segundo do seu tempo

Ser gay em 1968 era carregar um segredo em um mundo que fingia não enxergar o óbvio. Antes da madrugada em que o Stonewall Inn foi invadido pela polícia, o amor fora do modelo tradicional — entre um homem e uma mulher, sob o teto do casamento e da formação familiar — permanecia invisível, apesar de estar presente em todos os lugares. A sociedade, ciente dessa realidade, escolhia ignorá-la, relegando aqueles que viviam essa diferença à margem. Foi da tensão dessa invisibilidade forçada que explodiu a rebeldia de Stonewall, transformando a violência em símbolo de resistência. A partir dali, ser diferente deixou de ser um estigma e passou a significar orgulho, com passeatas e discursos exigindo não aceitação, mas respeito. O episódio uniu indivíduos que, mesmo convivendo com preconceitos internos, mostraram que viver sem máscaras era mais poderoso do que qualquer segregação ou rótulo.

Nesse cenário de conflitos latentes, uma história ambientada em uma noite de festa entre amigos expõe feridas e desafia convenções. Um grupo diverso, reunido sob o teto de Michael para comemorar o aniversário de Harold, embarca em uma jornada de provocações e desentendimentos que questionam a força dos laços que os unem. Joe Mantello, em “The Boys in the Band” (2020), revive um marco cultural criado por Mart Crowley, que começou nos palcos da Broadway em 1968 e ganhou sua primeira versão cinematográfica em 1970 pelas mãos de William Friedkin. A celebração do cinquentenário trouxe nova vida à obra, contando com um elenco de gays assumidos sob a direção de Mantello, com roteiro revisitado por Crowley e Ned Martel. O projeto foi impulsionado por Ryan Murphy, conhecido por explorar narrativas relevantes à comunidade LGBTQIA+, como nas séries “Halston” (2021) e “The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story” (2018).

A história se desenrola em uma festa cheia de tensões e contrastes. Harold, interpretado por Zachary Quinto, é o homenageado de um evento que só esquenta quando Michael, vivido por Jim Parsons, inicia seus ácidos comentários. Matt Bomer brilha como Donald, reflexo do homem idealizado: bonito, culto e deslocado, escondendo em sua discrição um mar de contradições. Entre os convidados, cada um representa uma faceta específica do universo gay: o efeminado Emory, o introspectivo Bernard, o casal Hank e Larry vivendo seu romance às escondidas e até um prostituto contratado para animar a noite. Brian Hutchison, como Alan, antigo parceiro de Michael, traz um contraponto dramático e emblemático.

Um jogo aparentemente inofensivo proposto por Michael eleva a temperatura da noite, revelando inseguranças e segredos. A narrativa se move entre risos e tensões, com diálogos que dissecam medos universais — envelhecer, a solidão e o conflito de identidade. Mantello equilibra habilmente a verborragia dos personagens com a estrutura teatral de origem, conduzindo o público a um desfecho intenso. Décadas após sua estreia, a obra permanece um retrato sensível e crítico das dinâmicas de exclusão, tanto externas quanto internas, em uma comunidade que, embora unida, continua dividida por estereótipos. Irreverente e politicamente provocador, o longa brilha por sua autenticidade e capacidade de questionar sem se dobrar à moralidade contemporânea.

Filme: The Boys in the Band
Diretor: Joe Mantello
Ano: 2020
Gênero: Comédia/Drama
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★