O enigma da Netflix que usa Nietzsche para provocar sua imaginação, levar você além do óbvio e dar um nó em seu cérebro Francois Duhamel / 20th Century Studios

O enigma da Netflix que usa Nietzsche para provocar sua imaginação, levar você além do óbvio e dar um nó em seu cérebro

A existência humana é um cenário marcado por contradições, movendo-se entre momentos de calmaria e tempestades que desafiam até os mais preparados. Apesar do desejo generalizado de alcançar relevância e escapar da banalidade, a maior aspiração reside em uma rotina tranquila, previsível e imune a sobressaltos. Quando se atinge esse estado de aparente equilíbrio, as inquietações cedem lugar à serenidade; as mágoas, antes constantes, dissipam-se como névoa sob o calor do amanhecer.

Surge então uma oportunidade de redescobrir o contentamento, frequentemente esquivo e muitas vezes questionado como merecimento. Contudo, enquanto esse ideal não se concretiza, a vida — ou o que dela resta — desgasta-se por inércia, forçando cada um a encarar suas perdas, levantar-se das ruínas e buscar novos caminhos, mesmo quando a desilusão ameaça paralisar. Assim, a luta persiste, seja por grandes vitórias ou pequenas conquistas, em um movimento incessante de reinvenção.

Adentrar os mistérios da existência é, inevitavelmente, um processo de renúncia e ressignificação. Busca-se incessantemente por algo que justifique os reveses da vida, sem perceber que muitas vezes a própria adversidade carrega uma beleza única. O trágico, o absurdo e até o cômico das situações cotidianas revelam uma dimensão estética capaz de rivalizar com as narrativas mais idealizadas. Em meio a essas nuances, os protagonistas da vida — sejam heróis ou figuras comuns — enfrentam dilemas semelhantes, frequentemente presos em uma dualidade entre grandeza e fragilidade.

James Gray conduz sua narrativa como um exame íntimo de um homem consumido por expectativas e dilemas alheios, transformando essa jornada interna em uma reflexão universal. O êxito de “Ad Astra — Rumo às Estrelas” repousa em seu equilíbrio entre texto meticuloso e a atuação visceral de Brad Pitt, que entrega um retrato multifacetado e profundamente humano.

Gray e Ethan Gross estruturam um roteiro que concede a Pitt a liberdade de explorar a complexidade do major Roy McBride, um astronauta marcado por uma trajetória carregada de sombras. Diferente de outros exploradores cinematográficos, como Mark Watney em “Perdido em Marte”, de Ridley Scott, McBride carrega a certeza técnica e o peso emocional de suas missões. A performance de Pitt destaca-se por oscilar entre a racionalidade de um homem habituado ao desconhecido e a vulnerabilidade de quem carrega feridas emocionais profundas.

Quando o enredo ameaça recair em simplismos, Gray reassume o controle, mostrando que seu protagonista é, acima de tudo, um ser humano atormentado, em busca de reconciliação com o passado e consigo mesmo. Tommy Lee Jones, por sua vez, imprime intensidade ao papel do pai distante e obsessivo, compondo um retrato ambíguo de um homem consumido por ideais inatingíveis.

Mais do que um relato sobre aventuras espaciais, a obra reflete sobre vínculos desfeitos e o impacto que deixam. No cerne da trama está a relação entre pai e filho, permeada por mágoas e afetos negados, mas que se revela como um espelho para questões existenciais mais amplas. A fotografia hipnótica de Hoyte van Hoytema amplifica essa introspecção, construindo um cenário onde o vazio do cosmos reflete a solidão humana. “Ad Astra — Rumo às Estrelas” transforma-se, assim, em uma experiência visual e emocional, guiando o espectador por paisagens estonteantes enquanto explora, com profundidade, os recônditos do espírito humano.

Filme: Ad Astra — Rumo às Estrelas
Diretor: James Gray
Ano: 2019
Gênero: Drama/Ficção Científica/Thriller
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★