A nova temporada da série “Monstros”, idealizada por Ryan Murphy e Ian Brennan, traz à Netflix um relato visceral do caso dos irmãos Erik e Lyle Menendez, condenados pelo assassinato brutal dos pais, Kitty e José Menendez. A produção se debruça sobre as complexas dinâmicas familiares e os segredos sombrios que culminaram em um dos crimes mais notórios da década de 1990. No centro da trama, os irmãos são interpretados por Cooper Koch e Nicholas Alexander Chavez, enquanto Chloë Sevigny e Javier Bardem dão vida às vítimas, compondo um elenco que entrega performances intensas e perturbadoras.
O enredo se inicia com a reconstrução do duplo homicídio, que chocou os Estados Unidos tanto pela brutalidade quanto pelo comportamento dos acusados após o crime. Erik e Lyle, após assassinarem os pais, passaram a ostentar uma vida de luxo, financiada pela herança da família. Essa reviravolta nos primeiros episódios pinta um retrato de frieza e calculismo, com os irmãos manipulando o sistema para garantir a posse dos bens. Contudo, à medida que a narrativa avança, camadas mais profundas da história começam a emergir, revelando um passado marcado por abusos e traumas.
A série utiliza flashbacks para transportar o público às memórias mais sombrias dos Menendez, explorando a relação tensa e violenta com os pais. José Menendez, retratado como um magnata da música e do entretenimento, não era apenas o poderoso executivo que promovia bandas como Menudo, mas também, segundo os filhos, um homem abusivo dentro de casa. Durante o julgamento, Erik e Lyle alegaram ter sofrido abusos sexuais, físicos e psicológicos constantes desde a infância, criando uma atmosfera de terror que os levou a acreditar que matar os pais era a única forma de sobrevivência. Essas revelações vieram à tona através de depoimentos devastadores, que contrastavam com a imagem pública do patriarca e chocaram amigos, familiares e o grande público.
Ao mesmo tempo, Kitty Menendez é apresentada como uma figura complexa, que os irmãos acusaram de ser conivente com os abusos. A narrativa traça um retrato de uma mãe emocionalmente instável, cuja passividade diante das ações do marido agrava ainda mais o impacto psicológico sobre os filhos. Esse pano de fundo de sofrimento e negligência ajuda a contextualizar os eventos, mas também levanta questões incômodas sobre a confiabilidade dos irmãos. A produção não entrega respostas fáceis, optando por manter o público na corda bamba entre a empatia e o julgamento.
“Monstros” não se limita a narrar os fatos; ela provoca reflexões profundas sobre moralidade, justiça e as zonas cinzentas da experiência humana. Ao explorar as relações familiares em sua forma mais disfuncional, a série desafia o espectador a reconsiderar preconceitos e a questionar a linha tênue entre vítimas e agressores. A confissão de Erik ao terapeuta, que desencadeou a prisão dos dois, e os desdobramentos no tribunal são explorados com uma intensidade que coloca o público frente a frente com os limites da empatia e da compreensão.
No cerne da narrativa, a produção também evidencia as tensões sociais e culturais da época, apontando para o sensacionalismo midiático que transformou o caso em um espetáculo. A exposição da vida privada dos Menendez, retransmitida à exaustão, não apenas alimentou a curiosidade pública, mas também influenciou a percepção coletiva sobre o julgamento. A série, nesse sentido, é tanto um estudo de caso sobre a psicologia do crime quanto uma crítica à espetacularização da tragédia.
Ao final, “Monstros” oferece muito mais do que a reconstituição de um crime: ela se torna um espelho das complexidades humanas, convidando o espectador a examinar as camadas que definem nossas escolhas e as consequências de nossas ações. Essa jornada emocional e psicológica, conduzida com maestria por Murphy e Brennan, faz da produção uma experiência que não apenas entretém, mas também inquieta, deixando marcas duradouras na memória de quem assiste.
★★★★★★★★★★