A máxima de Tolstói, que iguala a essência das famílias felizes e a singularidade das infelizes, carece de nuances. Observando com mais cuidado, percebe-se que até nos desencontros os núcleos familiares compartilham elementos comuns. Os conflitos, antes vistos como exceções, revelam padrões entrelaçados, frequentemente marcados pelo individualismo exacerbado de quem deveria sustentar a harmonia coletiva. A família, pilar da sociedade, parece em risco, não por forças externas, mas pela corrosão interna provocada por mágoas acumuladas. É como se o curso da vida retrocedesse, impulsionado por ressentimentos que revertem a lógica do progresso, expondo feridas emocionais em um embate silencioso contra a própria existência.
Noah Baumbach vem se firmando como um observador minucioso das dinâmicas familiares, com suas complexidades e paradoxos. Em “Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe” (2017), ele constrói um retrato vibrante, onde os laços de afeto e repulsa coexistem em um emaranhado de emoções que os mantém unidos, apesar das diferenças. Dois anos depois, com “História de um Casamento”, o cineasta reafirma seu talento para explorar as fragilidades humanas, elevando narrativas domésticas ao patamar de grandes reflexões universais. O filme, que rendeu a Laura Dern prêmios como o Oscar, desenha com precisão o desgaste das relações conjugais, ecoando a influência de Ingmar Bergman, mestre em capturar as contradições dos sentimentos humanos sem recorrer a idealizações.
Harold Meyerowitz, interpretado por Dustin Hoffman, é um patriarca em constante negação do tempo. Artista plástico relegado ao esquecimento, ele enfrenta a proximidade de seus filhos com desconforto. Danny, vivido por Adam Sandler em uma performance que surpreende pela maturidade, é um músico talentoso, mas frustrado; Matthew, de Ben Stiller, simboliza o pragmatismo materialista; e Jean, de Elizabeth Marvel, traz uma presença discreta, porém significativa. A esposa atual de Harold, Maureen (Emma Thompson), e sua neta Eliza (Grace van Patten), enriquecem o enredo ao fugirem da órbita do patriarca, destacando-se pela autenticidade e independência.
Embora o roteiro traga momentos desnecessários, como a menção ao inventário, o cerne da narrativa reside no embate entre o comportamento tóxico de Harold e o amor resiliente de seus filhos. A sequência no restaurante entre Hoffman e Stiller exemplifica o tom agridoce do filme, provocando risos e lágrimas em igual medida. Baumbach equilibra técnica e sensibilidade, entregando uma obra que toca profundamente aqueles que valorizam histórias humanas bem contadas, repletas de emoção genuína.
★★★★★★★★★★