Um dos melhores suspenses dos últimos anos está escondido na Netflix Divulgação / Netflix

Um dos melhores suspenses dos últimos anos está escondido na Netflix

Com a fidelidade ao espírito inquietante que caracteriza a obra de Samanta Schweblin, Claudia Llosa transpõe para a tela o desconforto existencial de “O Fio Invisível” (2021). A narrativa, baseada no livro da autora argentina lançado em 2014, carrega a essência de um thriller natural, mas encontra na direção de Llosa um equilíbrio raro: o texto literário é moldado pela linguagem visual sem que o ritmo dos acontecimentos se atropelhe. O longa se destaca ao criar momentos de intensidade e melancolia, conectados por uma trama que explora as nuances entre vida e morte. Com isso, provoca sensações contraditórias e permite ao espectador imergir numa reflexão única sobre a comunicação — ou a falta dela — no centro das relações humanas.

Amanda, uma mulher refinada interpretada por María Valverde, parte com a filha Nina, de cinco anos, para uma viagem ao interior da Argentina. Recepcionadas por Carola, vivida por Dolores Fonzi, as duas se deparam com uma figura que parece viver entre modernidade e tradição. No embate entre as personagens, o filme revela a complexidade da maternidade: a linha tênue entre proteção e controle, o alívio de criar um filho em meio às adversidades e os sacrifícios impostos por um amor que, por vezes, exige decisões extremas. Enquanto Amanda lida com os fantasmas do passado, Carola busca recomeçar após um trauma que abalou sua família e definiu o curso de sua vida.

A partir desse pano de fundo, o conceito da “distância de resgate” ganha corpo, explorando o limite do controle materno sobre a liberdade de um filho. Llosa transforma a metáfora do fio invisível em um dispositivo dramático central, questionando até que ponto se pode estender esse vínculo sem que ele se rompa. Ao mesmo tempo, o roteiro — escrito em parceria com Schweblin — conecta os dilemas das protagonistas, fazendo com que a experiência de uma interfira na jornada da outra. Essa simetria narrativa intensifica a relação entre as duas, sugerindo, de forma implícita, um vínculo mais profundo do que o maternal.

A tensão cresce quando o passado de Carola é revelado: em um esforço para salvar seu filho David, ela aceitou um sacrifício espiritual que transformou sua relação com ele. Essa alegoria, já presente no livro, é transposta de forma impactante para o filme, colocando Amanda diante de um dilema semelhante quando Nina adoece. Com um toque de mistério, a diretora cria um ambiente de estranhamento, sem deixar o enredo excessivamente opaco. A fotografia de Óscar Faura contribui para essa atmosfera, destacando o contraste entre luz e sombra, enquanto a trama se desenrola em ritmo crescente, até culminar em uma revelação arrebatadora.

No cenário do cinema hispânico, “O Fio Invisível” dialoga com tradições que combinam surrealismo e engajamento social. Llosa bebe de influências como Borges e Martel, mas constrói um estilo próprio ao associar o poder da imaginação a um medo profundamente humano: o desconhecido. Nesse contexto, a obra é tanto um mergulho no subconsciente quanto uma exploração do vínculo humano, desafiando o espectador a reconsiderar suas certezas. Com alusões visuais e uma construção narrativa que evoca cineastas como Nolan e Villeneuve, o longa reafirma o cinema como um espaço para investigar a essência da existência e os mistérios da condição humana.

Filme: O Fio Invisível
Diretor: Claudia Llosa
Ano: 2021
Gênero: Suspense
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★