Último filme de Jordan Peele, um dos maiores cineastas de terror da atualidade, na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Último filme de Jordan Peele, um dos maiores cineastas de terror da atualidade, na Netflix

Em um mundo onde a moralidade parece regida apenas por instintos de sobrevivência, é ingenuidade esperar por vestígios de sensatez de quem encara a vida como uma batalha incessante, onde qualquer preço é aceitável para alcançar o topo. Desde o nascimento, estamos irremediavelmente imersos em questões existenciais profundamente pessoais, cujos significados apenas nós conseguimos discernir. Este entendimento, no entanto, não surge sem antes nos provocar, nos atormentar e nos testar, até que, finalmente, a vida nos presenteie com um lampejo quase mágico de clareza. Esse pequeno alívio de compreensão, raramente revelado, se mantém oculto dos olhares inquisitivos de quem nos despreza e da perplexidade silenciosa daqueles que nos amam, mas não conseguem nos entender. A busca incessante pela razão é uma jornada solitária, muitas vezes obscura e repleta de momentos de desespero.

Jordan Peele é um mestre da subversão, um cineasta capaz de explorar o absurdo de maneira tão envolvente e única que seus filmes deixam o público na beira do abismo da compreensão. Em “Não! Não Olhe!”, ele se arrisca novamente a expor as verdades mais desconcertantes de nossa sociedade, utilizando o caos como linguagem para expor questões urgentes e, por vezes, dolorosas. Em um primeiro momento, o enredo pode parecer confuso, um emaranhado de imagens desconexas e tensas, mas, à medida que o filme avança, cada cena toma forma, ganhando clareza, como se um pesadelo indeterminado começasse, finalmente, a fazer sentido.

A vida, com todas as suas complexidades, exige renúncias. Buscamos incessantemente uma beleza que justifique o sofrimento que é viver, mas raramente percebemos que a beleza pode se ocultar em formas inesperadas. Até mesmo o ridículo, o patético e o dramático da existência possuem uma beleza intrínseca, tão intensa quanto o mais sereno dos romances, embora, muitas vezes, o romance sereno nunca nos ofereça a profundidade que encontramos nos momentos de desespero e alienação. Cada um de nós carrega em si as feridas invisíveis, as lutas que só nós entendemos, e muitas vezes é impossível escalar os muros que nos separam de outros sofredores, todos unidos por um fastio moral que simultaneamente nos humilha e nos absolve.

No filme, Peele faz uma fusão única entre o universo da arte e um rancho dedicado ao treinamento de cavalos para filmagens, utilizando essa ambientação para explorar o medo do desconhecido que, paradoxalmente, habita até os seres humanos mais corajosos. Para Peele, a arte é uma ponte que conecta o homem a si mesmo, ao outro e à própria existência, ao mesmo tempo em que reflete as tensões e os dilemas da sociedade contemporânea. Ele não se limita a representar a realidade; ele a subverte, a catalisa e a transforma à medida que lida com as limitações da história e as carências humanas.

“Não! Não Olhe!” vai além de suas predecessoras, como “Nós” (2019) e “Corra!” (2017), em sua capacidade de provocar reflexões intensas sobre as dificuldades implacáveis do existir. A história de Otis Haywood Jr., interpretado por Daniel Kaluuya, é, de certa forma, mais íntima e desesperadora. Junto de sua irmã, Emerald (Keke Palmer), Otis embarca em um propósito que, como é característico de Peele, só será totalmente revelado nos momentos finais do filme, criando uma narrativa que permanece inquietante e reflexiva até o último segundo.

O filme é uma alegoria poderosa sobre a desconexão humana, a busca pelo significado e as sombras que nos cercam, tanto internas quanto externas. Peele, com sua abordagem inconfundível, entrega uma obra que é ao mesmo tempo um alerta e uma meditação profunda sobre a complexidade de existir e os horrores que nos habitam. “Não! Não Olhe!” não é apenas um filme sobre medo, mas um convite a olhar para dentro, a encarar as próprias trevas e a questionar as narrativas que construímos sobre o mundo.

Filme: Não! Não Olhe
Diretor: Jordan Peele
Ano: 2022
Gênero: Ficção Científica/Suspense/Terror
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★