Vira e mexe, namoros, casamentos, separações e divórcios rondam as mentes frenéticas de cineastas, que se valem de tudo quanto apreendem da sociedade de seu tempo, do que podem observar de gente próxima, daquilo que imaginam ser o corriqueiro e, claro, de sua experiência para definir o que convém ou não num relacionamento dito amoroso. “História de um Casamento” é o que Noah Baumbach, um dos grandes cronistas da vida privada da classe média americana, tem a dizer a respeito das agruras de casais em qualquer lugar do mundo. E ele sabe do que está falando.
Filho de Jonathan Baumbach (1933-2019), um reconhecido teórico da literatura, e de Georgia Brown, crítica de cinema do jornal “The Village Voice”, fora de circulação desde 2017, o diretor passa para a tela o pesadelo que se torna a vida em comum de dois artistas, enquanto tentam manter a salvo a carreira e deixar espaço para uma futura relação cordial, com a poeira devidamente assentada. Baumbach decupa um roteiro de combustão lenta, concentrando-se nas pequenas misérias que passam a fazer parte do cotidiano da família, e malgrado sobrevivam, todos recebem sua cota de martírio.
Certamente a atriz Nicole e seu marido Charlie, diretor de teatro, pensavam que casamento era mesmo um conto de fadas e, imaturos demais para lidar com os tantos problemas que um casamento implica, acabam se separando. No começo, tudo corre da forma mais civilizada possível, e os dois preferem seguir com os trâmites sem a interferência de advogados, mas aconselhada por uma amiga, Nicole procura orientação profissional e entra em cena Nora Fanshaw, especialista em divórcios, cuja obstinação em deixar a outra parte na rua da amargura é alvo de inveja no mundo jurídico e de temor de quem ousa se levantar contra ela numa causa.
Aos poucos, o diretor-roteirista mostra quem é quem, e nesse movimento Laura Dern a intérprete de Nora, contagia a plateia a tal ponto que faz valer o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, coroação de um trabalho verdadeiramente magistral. As muitas desventuras do processo incomodam sobretudo Charlie, mas à medida em que os ataques entre os advogados se sucedem e são expostas as intimidades de uma e outro, Nicole se convence de que tomara a pior decisão que poderia. Não é tarefa simples dizer quem se sai melhor, se Adam Driver e sua já típica fleuma mesmo investido de papéis de tensão essencial, ou Scarlett Johansson, que mistura charme e uma leviandade destrutiva na pele de Nicole.
Paulatinamente, todos nos convencemos de que o grande prejudicado — embora ele mesmo não se dê conta — é Henry, o filho dos dois, que entende perfeitamente o que está acontecendo, mas ainda muito indefeso diante da insensatez dos adultos, assiste àquela baixaria toda sem deixar claro ao espectador o que pensa. Azhy Robertson confere ao filme a exata dose de poesia bergmaniana que “História de um Casamento” arrasta até a sequência conclusiva, sem soluções fáceis para problemas dificílimos.
★★★★★★★★★★
