Poucos nomes na cultura pop conseguiram exercer um magnetismo comparável ao de Clint Eastwood. Ícone do velho oeste e da essência do cinema estadunidense, ele transcendeu heróis e vilões, e sobreviveu à febre dos super-heróis empurrados ao público. Em sua carreira, converteu paixão por histórias em narrativas que cativaram multidões. Agora, aos 94 anos, “Jurado Nº2” desponta como um possível ato final, uma despedida à altura de um cineasta que, mesmo falível, sempre buscou a excelência.
Nesta obra, Eastwood investe num drama de tribunal que combina inteligência e charme com uma crítica ao politicamente correto. A trama é uma ode ao poder da plateia de interpretar fatos e formar juízos, qualidade intrínseca ao legado do diretor. No entanto, o suposto adeus profissional chega sem o brilho que merece: relegado às plataformas de streaming, “Jurado Nº2” foi privado das salas de cinema, em contraste com a grandiosidade de seu criador e em sintonia com um tempo que valoriza o efêmero.
No centro da história está Justin Kemp, que equilibra o dever cívico de integrar um júri e a necessidade de apoiar sua esposa, grávida de um filho após uma perda traumática. A atmosfera tensa da narrativa é amplificada pelo roteiro de Jonathan Abrams, que transforma Savannah, Geórgia, em um palco irônico de contrastes, evocando um misto de beleza natural e tensão claustrofóbica. Entre a corte e as deliberações, a trama revela aos poucos o segredo perturbador que Justin guarda, enquanto o público é conduzido por flashbacks e tensos momentos de introspecção.
Um desses momentos revisita uma noite decisiva em que o casal James e Kendall protagoniza uma discussão amarga num bar. Esse evento, capturado pela lente precisa de Yves Bélanger, intercala luz natural e sombras que simbolizam os dilemas morais da narrativa. Quando Kendall é encontrada morta, as peças do quebra-cabeça começam a se encaixar, e Justin se vê pressionado por uma teia de culpa, segredos e uma decisão que pode selar seu destino.
À medida que o caso avança, o diretor mergulha no universo dos jurados, com destaque para Harold, um detetive aposentado interpretado com vigor por J.K. Simmons. Apesar de sua perspicácia, o roteiro se encarrega de removê-lo da equação de maneira abrupta, reforçando o niilismo subjacente à obra. No tribunal, a promotora Faith Killebrew e o advogado de defesa Eric Resnick personificam forças opostas, enquanto a juíza Thelma Stewart mantém o controle de um espetáculo à beira do caos.
Nesta narrativa, Eastwood exibe um olhar desencantado sobre a natureza humana. Ninguém está isento de falhas, e os personagens revestem suas ações egoístas com pretextos moralmente aceitáveis. Nicholas Hoult e Zoey Deutch entregam performances convincentes, revelando nuances de um casal que se afunda em uma rede de mentiras e traições. Com um desfecho que flerta com a redenção, mas deixa no ar questões éticas complexas, Eastwood entrega um filme que ecoa sua trajetória — uma reflexão sobre escolhas e suas consequências. Fará falta.
★★★★★★★★★★