Ao longo da história do cinema, os russos ocuparam o imaginário como vilões implacáveis e memoráveis, símbolos de uma Guerra Fria que transcendeu a política para se firmar como elemento cultural. Nomes como Xenia Onatopp, de “007 Contra GoldenEye” (1995), marcaram época com performances tão extravagantes quanto cativantes. Em “Sem Remorso”, adaptação recente de Tom Clancy, os russos voltam a ser antagonistas. Mas, desta vez, carregam pouco da vitalidade que fez seus predecessores tão icônicos, entregando-se a uma narrativa genérica que, embora repleta de ação, carece de alma.
Michael B. Jordan assume o papel de John Kelly, um SEAL da Marinha que vê sua vida desmoronar quando sua esposa grávida (Lauren London) é brutalmente assassinada em uma emboscada. O ataque, parte de uma retaliação russa após um erro militar americano em Aleppo, deixa Kelly à beira do abismo emocional e pronto para buscar vingança a qualquer custo. A cena de sua tragédia pessoal é marcante apenas pela brutalidade, já que o roteiro de Taylor Sheridan e Will Staples pouco faz para construir um vínculo significativo entre o público e os personagens. O relacionamento de Kelly com sua esposa é reduzido a um retrato genérico, simbolizado por uma única foto de baile moldurada — um detalhe tão superficial quanto esquecível.
A partir daí, o filme adota a fórmula clássica de vingança. Kelly embarca em uma jornada violenta e sem autorização oficial, eliminando metodicamente cada pessoa envolvida no atentado. Entre os momentos de maior impacto, destaca-se uma sequência no Aeroporto Dulles, onde o protagonista transforma o SUV de um criminoso em uma fornalha em chamas antes de interrogá-lo e executá-lo de forma brutal. Essa intensidade visceral estabelece o tom sombrio do filme, mas também contrasta com a falta de profundidade emocional do enredo.
Stefano Sollima, diretor responsável por “Sicario: Dia do Soldado”, traz sua habilidade para coreografar cenas de ação dinâmicas e visualmente impactantes. A violência é estilizada e bem executada, mas a repetição e a falta de inovação tornam o ritmo irregular. O clímax, ambientado na Rússia — ou melhor, em sets que tentam emular o país, já que filmar em território russo estava fora de questão —, é marcado por tiroteios genéricos em corredores escuros. O resultado é previsível e incapaz de gerar o impacto necessário para sustentar a tensão até o desfecho.
Entre os poucos pontos altos está a atuação de Jodie Turner-Smith como a Tenente-Comandante Karen Greer. Sua presença em cena confere força e autoridade sem cair em caricaturas. A química entre Turner-Smith e Jordan adiciona camadas aos personagens, embora o roteiro raramente explore esse potencial. Já o restante do elenco, que inclui nomes como Jamie Bell e Guy Pearce, é relegado a papéis rasos e pouco memoráveis. A ausência de desenvolvimento não apenas limita a história, mas também subutiliza atores talentosos.
Adaptado de um romance publicado em 1993, “Sem Remorso” moderniza sua trama, substituindo a Guerra do Vietnã pelo contexto atual de tensões entre Estados Unidos e Rússia. Apesar das atualizações, o filme mantém pouca conexão com o material original de Clancy. Enquanto o livro explora questões mais profundas e conflitos internos, a adaptação prioriza a ação em detrimento da complexidade narrativa. O final, repleto de clichês como conspirações exageradas e dispositivos secretos, entrega uma resolução apressada que decepciona pela previsibilidade.
Ainda assim, há algo magnético em Michael B. Jordan. Sua performance carismática e fisicamente imponente sustenta boa parte do filme, mesmo quando o roteiro não colabora. Sua transformação de John Kelly em John Clark abre caminho para uma provável sequência baseada em “Rainbow Six”, outra obra do universo de Clancy. Resta saber se os cineastas terão coragem de explorar novas abordagens ou se continuarão presos à fórmula desgastada.
★★★★★★★★★★