Dizer que histórias sobre a infância encantam é quase redundante, pois essa fase da vida é um misto de magia, descobertas e o inevitável encontro com a realidade. No entanto, se for para medir encantos, “Wicked” é um verdadeiro caldeirão de feitiços. Sob a batuta de Jon M. Chu, conhecido por integrar música e dança sem comprometer a narrativa, como já demonstrou em “Podres de Ricos” (2018) e “Em um Bairro de Nova York” (2021), o filme expõe a crueza da vida sob o véu do fantástico, habitado por personagens que transitam entre mundos.
Inspirada no romance homônimo de Gregory Maguire (1995), esta prequela de “O Mágico de Oz”, de L. Frank Baum, ecoa o clássico de Victor Fleming (1939), mas desloca o foco para questões contemporâneas. Adultos tomam o lugar de Dorothy, mas sua essência inocente permeia a narrativa, conduzindo um enredo que se reinventa para cativar audiências diversas. O roteiro de Winnie Holzman e Dana Fox desconstrói ideias pré-concebidas, abordando autoritarismo, preconceito racial e o magnetismo da liderança, enquanto revela o sistema opressor que domina a Terra de Munchkin, onde até o Mágico, vivido por um brilhante Jeff Goldblum, se torna vítima.
O filme oferece uma leitura poderosa sobre exclusão e transformação ao acompanhar Elphaba, a Bruxa Má do Oeste, cuja pele verde é símbolo de rejeição, mas também resistência. Uma das cenas mais impactantes exibe o Mágico perseguindo uma mulher negra, gesto que reverbera na trajetória de Elphaba. Paralelamente, a narrativa volta no tempo para explorar a complexa relação entre ela e Glinda, aqui Galinda, sempre envolta em privilégios. A música “Popular”, um dos grandes sucessos do espetáculo original, ganha espaço para subverter expectativas e lançar luz sobre os contrastes entre as protagonistas.
O elenco, liderado por Cynthia Erivo e Ariana Grande, traz à tona uma química rara, amplificando as nuances entre o lado luminoso de Galinda e o sombrio de Elphaba. Apoiado pela direção de arte de Nathan Crowley, os figurinos de Paul Tazewell e a fotografia de Alice Brooks, Jon M. Chu conduz o espectador por uma jornada nostálgica que, de forma irônica, nos faz desejar um tempo que jamais vivemos — um lugar onde, ao final da estrada de tijolos amarelos, repousa uma felicidade perdida.
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