Se os super-heróis tivessem carta branca para transgredir em nome de um suposto equilíbrio, talvez o cinema e a cultura pop fossem irreconhecíveis hoje. Quem viveu a infância sabe que esses seres, entre humanos e fantásticos, carregam cicatrizes de traumas que nem compreendem por completo, enquanto espelham-se em criaturas como morcegos, felinos ou aracnídeos. Nesse contexto, narrativas como a de “Deadpool e Wolverine” fazem mais sentido do que aparentam à primeira vista.
O novo trabalho de Shawn Levy segue a fórmula que consagrou as melhores tramas do gênero: personagens habilmente moldados enfrentam dilemas quase insolúveis, enquanto o herói, dotado de habilidades sobre-humanas, precisa superar obstáculos que vão além da força bruta. Aqui, Levy une dois ícones da Marvel em um espetáculo repleto de combates, sarcasmo afiado e referências metalinguísticas que superam qualquer brilho desgastado de estúdios outrora poderosos.
Wade Wilson e James Howlett vagam por uma vastidão desolada chamada Vazio, onde elementos insólitos, como o logotipo da Fox enterrado no solo, remetem à fusão com a Disney em 2019. Nesse ambiente inóspito, a Cassandra Nova de Emma Corrin, com sua postura altiva e cabeça raspada que lembram Charles Xavier, comanda o lugar. O roteiro de Rhett Reese, Ryan Reynolds e Paul Wernick utiliza esses cenários para explorar sátiras irreverentes — desde menções discretas à SHIELD até referências ao Homem-Aranha — criando uma reflexão ácida sobre o excesso da cultura pop.
Para quem não é devoto do universo das franquias, a enxurrada de citações, como a TVA (Autoridade de Variância Temporal), pode parecer um desafio. Ainda assim, o tom descontraído de Reynolds e a seriedade caricata de Hugh Jackman formam uma dinâmica irresistível, conduzindo o espectador em uma jornada que evoca o espírito caótico e vibrante de “Mad Max”. Não é apenas um filme de ação, mas um espetáculo que abraça o absurdo e transforma suas peculiaridades em sua maior força.
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