A produção audiovisual francesa tem trilhado caminhos diversos, impulsionada tanto por escolhas artísticas quanto pela força implacável das demandas comerciais. No cenário atual, é notável que os projetos menos enraizados em tradições filosóficas ou movimentos estéticos têm ganhado maior visibilidade, atraindo diferentes perfis de público. Esse fenômeno, intensificado pela pandemia de covid-19, que confinou milhões em busca de entretenimento acessível, ilustra uma adaptação estratégica à realidade contemporânea. Mais que um reflexo das circunstâncias, trata-se de um movimento que redefine o espaço da criatividade.
Para atender a essa nova audiência, obras com narrativas rápidas e diretas se tornaram essenciais, dispensando a dependência das salas de cinema para causar impacto. Sob essa lógica, “Ad Vitam”, de Rodolphe Lauga, se encaixa perfeitamente. Desprovido de pretensões exageradas, o longa se apresenta como um exemplar de entretenimento consciente de suas limitações. Lauga, longe de almejar o título de herdeiro de nomes como Alain Resnais ou Jean-Luc Godard, concentra sua energia naquilo que faz bem: criar histórias eficientes e acessíveis, que encontram ressonância com espectadores sem se perder em excessos.
Entre os elementos explorados, as desventuras policiais despontam como eixo central, uma tradição que ultrapassa fronteiras culturais. No caso de Franck Lazarev, o protagonista, há uma aura de um Frank Serpico desiludido, alguém que, diante de um sistema corroído pela corrupção, opta por decisões que o colocam em áreas nebulosas. A referência ao clássico “Serpico” (1973) serve para ilustrar a complexidade moral de uma trajetória que oscila entre altos e baixos. Aqui, um único erro em uma situação crítica gera consequências irreversíveis para criminosos e inocentes, abrindo um leque de dilemas éticos.
Após sobreviver a um atentado, Lazarev embarca em uma jornada pessoal e perigosa para salvar sua esposa, Leo, interpretada por Stéphane Caillard, das mãos de uma organização criminosa que parece operar além do alcance das autoridades. O roteiro, assinado por Lauga, Guillaume Canet e David Corona, vai além da ação pura, ao desvelar uma trama de corrupção profundamente enraizada. Canet, que também vive o protagonista, se destaca como um ex-membro do GIGN, a elite policial francesa, lidando com traições que abalam sua fé nas pessoas ao redor. As cenas de ação, bem coreografadas, são pontuadas por perseguições intensas e combates físicos que mantêm o ritmo elevado.
Com um histórico diversificado, que inclui a direção de comédias como “Asterix e Obelix no Reino do Meio” (2023), Canet prova versatilidade ao assumir o papel de um anti-herói dividido entre frustrações pessoais e o desejo de alcançar algo maior. Essa dualidade torna o personagem ainda mais interessante e cativa o público em uma narrativa que, mesmo sem reinventar o gênero, cumpre seu propósito ao oferecer um entretenimento sólido e envolvente.
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