Algumas histórias carregam tamanha estranheza e complexidade que parecem inventadas, como se tivessem brotado da imaginação de um escritor ousado. Esse é o caso de June e Jennifer Gibbons, conhecidas como as “gêmeas silenciosas”. Nascidas em Barbados, no Caribe, e levadas ainda crianças para o País de Gales, essas irmãs viveram uma trajetória tão singular que fascinaram psicólogos, jornalistas e cineastas. Seu pacto de silêncio e isolamento, além de sua criatividade literária, renderam documentários, estudos e, mais recentemente, um filme.
Dirigido por Agnieszka Smoczynska, “As Irmãs Silenciosas” (2022) conta essa história intrigante com um olhar que alterna entre realidade e fantasia. Protagonizado por Letitia Wright e Tamara Lawrence, o longa equilibra o drama real das gêmeas com os mundos imaginários que criavam, representados por contos, peças e histórias inventadas durante os longos períodos de reclusão no quarto que dividiam.
O filme apresenta as irmãs como crianças brilhantes, mas progressivamente alienadas do mundo ao redor. Após a mudança para o País de Gales, o choque cultural e a discriminação na escola, incluindo bullying devido ao sotaque caribenho, as afastaram ainda mais da sociedade. Como uma resposta a esse ambiente hostil, elas criaram um vínculo quase simbiótico, comunicando-se exclusivamente entre si. O pacto de silêncio tornou-se tanto um escudo quanto um enigma. Seria uma forma de autoproteção, um ato de resistência ou algo mais complexo? A narrativa não oferece respostas fáceis, mas insinua a profundidade do elo que as unia.
No isolamento do quarto, Jennifer e June demonstraram notável criatividade. Escreviam romances e peças, frequentemente com tons sombrios e psicológicos. Algumas de suas obras chegaram a ser publicadas, mas sem grande repercussão na época. Ainda assim, a intensidade de sua produção artística revela o universo rico que habitavam, um refúgio contra um mundo que as rejeitava. Contudo, sua genialidade não as poupou das consequências de uma vida marcada por exclusão e incompreensão.
Tentativas de tratamento psicológico e intervenções para romper o silêncio das irmãs acabaram gerando mais danos do que soluções. Na adolescência, o comportamento das gêmeas tornou-se mais errático, culminando em pequenos delitos que as levaram à internação em um hospital psiquiátrico de segurança máxima. Lá, passaram 14 anos, submetidas a terapias controversas e ao isolamento extremo, o que agravou ainda mais sua saúde mental e criatividade. O filme aborda esse período com sensibilidade, destacando o impacto destrutivo de uma sociedade que trata o incomum como ameaça.
“As Irmãs Silenciosas” não é apenas um relato da vida dessas mulheres, mas uma reflexão sobre como o mundo reage ao que desafia suas normas. A história das gêmeas expõe o custo da intolerância à diferença e a tendência de marginalizar o que não se encaixa. Mais do que um drama biográfico, o filme é uma crítica ao modo como autenticidade e excentricidade muitas vezes são sufocadas em nome da conformidade. O desfecho, ao mesmo tempo trágico e revelador, convida o espectador a questionar as estruturas que definem o que é aceito e o que é rejeitado.
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