Para o bem ou para o mal, o cinema francês se diversificou. Seja por convicções estéticas, seja pela pressão aterradora e imperativa do mercado, na França de hoje se faz todo tipo de filme — e há que se dizer que as produções menos comprometidas com escolas artísticas e postulados filosóficos são as que mais têm se destacado, precisamente por agradar a todo gênero de público e não se ater a formalidades de concepção. Isso se deve em grande medida à pandemia de covid-19, disseminada a partir de março de 2020, responsável por confinar em casa gente de todos os estratos sociais ávida por alguma diversão, alguma forma de alento, mas não só.
O cinema feito para consumo rápido, que teria de prescindir de grandes salas de projeção para acontecer, precisaria também de narrativas capazes de satisfazer essa camada, sob pena de se tornar sem sentido e, por conseguinte, sem importância. Ao observar essa lógica, “Ad Vitam” se sai bem. O filme pipoca de Rodolphe Lauga não tem grandes pretensões, e essa é a maior qualidade de uma história e de um diretor que se sabem limitados sob um ou outro aspecto. Embora talentoso, Lauga não tem a menor vontade de se tornar o novo Alain Resnais (1922-2014) ou o Jean-Luc Godard (1930-2022) reconstruído, seja lá o que isso queira dizer.
As trapalhadas da polícia vêm sendo matéria-prima para o cinema desde sempre, sob as mais diversas abordagens, em culturas as mais distintas. Talvez o detetive Franck Lazarev tenha sido um Frank Serpico algum dia, que farto de lutar contra um sistema vilipendiado pela corrupção, decide se juntar à banda podre antes que acabe como o personagem de Al Pacino no filme de Sidney Lumet (1924-2011). As trajetórias marcadas por condutas opostas do protagonista de “Serpico” (1973) e o de “Ad Vitam” equiparam-se ao definirem as complexas particularidades de uma carreira cheia de altos e baixos, em que uma decisão errada num momento de tensão extrema implica mudanças severas — e quiçá irreversíveis — na vida de muita gente, de boa índole ou criminosos experimentados.
Depois de sobreviver a um atentado, Lazarev precisa resgatar a esposa, Leo, de Stéphane Caillard, do poder de uma facção tão organizada quanto perigosa — e estranhamente a salvo das investidas das autoridades. Aos poucos, o roteiro de Lauga, Guillaume Canet e David Corona desbasta as camadas de sombra que pairam sobre Lazarev, vivido pelo próprio Canet, adicionando uma subtrama de corrupção, levada em cenas de perseguições e muito bem-coreografados embates físicos, em que o protagonista, um ex-membro do GIGN, a tropa de elite da polícia da França, vai descobrindo podres de gente em que costumava depositar confiança cega. Versátil, Canet, diretor de comédias infantojuvenis a exemplos de “Asterix e Obelix no Reino do Meio” (2023), mostra segurança na pele de um anti-herói desconfortável com sua vida, mas resoluto a ir até em nome de um propósito maior.
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