Talvez a imagem que melhor defina um relacionamento seja mesmo a de um barco singelo, resoluto no propósito de não virar no oceano de prazeres, lamentações, desencontros e mágoas, que sempre pode tornar-se, de uma hora para a outra, ou um lago cinzento de melancolia e frieza, ou um golfo, no qual o ódio fica a entrar e sair, provocando seus estragos por um ano, uma década, uma vida. Ninguém ama sem sofrer e ninguém ama encastelado em seu próprio mundo: pode-se, no máximo, se ansiar pelo amor de que se crê digno a partir da alheação que só o mais poderoso dos sentimentos é capaz de oferecer — e por mais amor que alguém tenha, não se pode nunca saber o que a sorte tem a nos oferecer. Uma jovem família que se lança ao mar em busca de novos horizontes nos loucos anos 1980 é o assunto de que o holandês Theu Boermans trata em “Além do Tempo”, uma ode à beleza dos encontros que assume a natureza de uma crônica intransigente acerca do rancor que termina por corroer tudo após uma tragédia.
Boermans pinça os momentos mais ditosos e sombrios de uma história real, e o roteiro de Marieke van der Pol parece estar sempre a desfazer das expectativas do público, conduzindo a trama por um vaivém de flashbacks que atiçam a curiosidade e a torcida do público.
A vida é um intervalo curto entre nascer e morrer, durante o qual o homem persegue respostas para questões as mais complexas, as mais incômodas, sabendo que não irá encontrá-las — ou, pior, pensará tê-las encontrado, até que, muito tempo depois, terá de admitir que precipitara-se. Assim mesmo, cada um toma sua cruz e busca sentido para a caminhada, achando uma ou outra mão amiga, umas vacilantes, outras mais firmes, e o medo e a esperança muitas vezes acabam tornando-se uma coisa só. Mas amor pelo amor não basta.
Em dezembro de 1980, Lucas, a esposa, Johanna, e Kai, saem pelo Atlântico a partir de Willemstad, a capital de Curaçau, a ilha caribenha autônoma dos Países Baixos. Eles atracam em alguma praia do litoral caribenho, e ao finalmente chegarem ao Atlântico começam a ter a verdadeira ideia do quão violentas podem ser as águas quando se está em mar aberto, cenário para o infortúnio que efetivamente se descortina. Essa metáfora para o acaso, que junto com a indesejada das gentes domina mendigos e reis, é mudada numa reflexão sobre o que pode ser o existir na hora em que a tormenta cessa e precisam-se resolver de uma vez por todas os imbróglios que ainda restam.
Quarenta anos mais tarde, o tempo prova que Lucas e Johanna deveriam ter enfrentado juntos a perda de Kai, vivido por River Oosterink, e tanto Reinout Scholten van Aschat e Sallie Harmsen, intérpretes dos personagens centrais na juventude, como Gijs Scholten van Aschat, pai de Reinout na vida real, e Elsie de Brauw, suas versões maduras, ratificam a intenção memorialística do diretor. Pior que um amor que termina é negar as circunstâncias que o conduziram ao fim.
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