Christoph Waltz, ator austríaco com mais de quatro décadas de carreira, alcançou um marco crucial em 2010 ao interpretar o enigmático coronel Hans Landa em “Bastardos Inglórios”, de Quentin Tarantino. A performance inesquecível não apenas lhe rendeu reconhecimento mundial, mas também seu primeiro Oscar. Waltz, com seu domínio de nuances e um talento magnético, solidificou seu nome em Hollywood como um dos grandes intérpretes contemporâneos.
O encontro entre Waltz e Tarantino não foi apenas um golpe de sorte, mas uma colaboração artística que se repetiria com “Django Livre”. Neste western reinventado, Waltz interpretou o carismático Dr. King Schultz, um dentista alemão que troca o consultório pela vida de caçador de recompensas. A atuação lhe rendeu o segundo Oscar de melhor ator coadjuvante, destacando sua habilidade em construir personagens complexos e inesquecíveis.
A narrativa de “Django Livre” é tão ousada quanto envolvente. Schultz, ao libertar Django (Jamie Foxx) da escravidão, propõe uma parceria inusitada: juntos, eles caçam criminosos em troca de recompensas, mas com uma promessa crucial. Django deseja reencontrar sua esposa, Broomhilda (Kerry Washington), vendida para o sádico Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), proprietário de uma fazenda no Mississipi. A relação entre Schultz e Django transcende o mero acordo comercial, construindo uma dinâmica que mistura amizade, admiração e justiça.
Candie, um homem de gostos extravagantes e perversos, cultiva uma obsessão pela cultura francesa e organiza violentos combates entre escravos, conhecidos como “lutas de mandingos”. Para infiltrar-se em seu círculo, Schultz e Django fingem ser negociadores de escravos lutadores. Porém, o verdadeiro vilão do filme não é apenas Candie, mas também seu administrador Stephen (Samuel L. Jackson), um escravo que defende com fervor os interesses do patrão, em um papel que subverte estereótipos e provoca desconforto pela complexidade moral.
A jornada de Django e Schultz é marcada por conflitos sangrentos, diálogos afiados e um espetáculo visual que é marca registrada de Tarantino. O diretor não poupou controvérsias: a violência estilizada e o uso desinibido de linguagem ofensiva geraram críticas severas. Will Smith recusou o papel principal, alegando que preferia protagonizar histórias que exaltassem heróis negros. Já Spike Lee classificou o filme como desrespeitoso, comparando a escravidão a um holocausto e condenando a abordagem “leve” de Tarantino.
Ainda assim, “Django Livre” transcendeu as polêmicas para afirmar-se como uma obra significativa. Mais do que um western de vingança, o filme é um exercício de catarse histórica, onde opressores são enfrentados e derrotados em cenas que, embora fictícias, carregam um simbolismo poderoso. A vitória no Oscar de melhor roteiro original para Tarantino e de melhor ator coadjuvante para Waltz consolidaram o impacto cultural da obra.
As atuações são uma aula de cinema. DiCaprio brilha como o inescrupuloso Candie, enquanto Jackson entrega um Stephen desconcertante em sua complexidade. Jamie Foxx, no papel de Django, confere ao personagem uma mistura de determinação e vulnerabilidade. Já Waltz, com sua habilidade inata de transitar entre humor e tensão, oferece uma interpretação que é ao mesmo tempo cativante e comovente.
A cinematografia de Robert Richardson é outro triunfo, fundindo elementos dos faroestes clássicos com toques modernos. O contraste entre tons frios, usados em cenas de inverno, e cores quentes, predominantes no sul dos Estados Unidos, enfatiza as mudanças geográficas e emocionais da narrativa. Os closes dramáticos aumentam o suspense, enquanto o tom caricatural dos personagens reforça a identidade autoral de Tarantino.
Com uma narrativa que equilibra crítica social, empoderamento e entretenimento, “Django Livre” consolidou-se como um marco do cinema contemporâneo. Onze anos após seu lançamento, permanece como um dos filmes mais bem avaliados do IMDb, ocupando a 57ª posição no ranking. É uma obra que provoca, emociona e permanece relevante, reafirmando o poder do cinema como agente de transformação cultural.
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