A guerra é um convite ao absurdo que expõe o que há de mais destrutivo na humanidade. É nesse cenário que a capacidade de matar, devastar e subjugar se eleva a níveis impensáveis, especialmente quando concentrada nas mãos de um único líder. Para tais arquitetos do conflito, valores como justiça ou clemência tornam-se conceitos irrelevantes; o que importa é a vitória e suas consequências.
Embora pudesse referir-se aos ataques recentes da Rússia sob a liderança de Vladímir Putin, o foco aqui é um episódio da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), um período de atrocidades que ainda ecoa na memória coletiva. Esses eventos, por vezes relegados à sombra do esquecimento, ressurgem com força em narrativas cinematográficas. Se tais momentos históricos não são revisitados com profundidade, a percepção de suas consequências pode se dissipar, reduzindo-os a abstrações desprovidas de impacto. O papel do cinema, nesse contexto, vai além do entretenimento: é uma ferramenta para iluminar os horrores do passado e impedir que se tornem irrelevantes.
O bombardeio à Escola Francesa em Copenhague, em 21 de março de 1945, é um exemplo que tensiona os limites entre civilização e barbárie. O ataque, inicialmente planejado como parte da Operação Cartago pela Força Aérea Real britânica, tinha como objetivo atingir o quartel-general da Gestapo na Dinamarca. Entretanto, um erro nos cálculos desviou as bombas para a escola, transformando o que deveria ser uma operação estratégica em um massacre. O saldo dessa tragédia foi devastador: 104 mortos, dos quais 86 eram crianças.
Essa tragédia inspira “O Bombardeio” (2021), filme de Ole Bornedal que revisita o evento sob uma perspectiva íntima. O diretor intercala o pano de fundo histórico com histórias pessoais, como o dilema moral de Frederik, um nazista dinamarquês interpretado por Alex Høgh Andersen, e Teresa, uma noviça que o confronta com seus questionamentos sobre fé e humanidade. A narrativa aborda o complexo contexto da ocupação alemã na Dinamarca, marcada por um governo colaboracionista que, até 1943, coexistiu com a administração nazista. Frederik ascende no regime, mas sua família, especialmente seu pai, reage com vergonha e revolta diante de suas ações.
Teresa, vivida por Fanny Bornedal, enfrenta seus próprios dilemas internos enquanto tenta despertar em Frederik uma consciência sobre suas escolhas. A relação entre eles, marcada por impossibilidades e tensões, simboliza os dilemas da guerra e suas contradições. Paralelamente, as interações das crianças Rigmor, Eva e Henrik, que enfrentam suas próprias perdas, oferecem uma contraposição à brutalidade, destacando a resiliência e a pureza que ainda sobrevivem mesmo em tempos de desespero.
Nos dois anos seguintes ao evento, até o fim da guerra em setembro de 1945, a Operação Cartago ceifou milhares de vidas e deixou marcas profundas na Dinamarca e na Noruega. O relato de Ole Bornedal sobre esse episódio pouco conhecido é um lembrete de que muito ainda precisa ser revisitado sobre esse conflito. A preservação da paz é indispensável, mas, quando ameaçada, a resistência pode ser o único caminho.
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