Um suspense macabro e tocante de Luc Besson no Prime Video: perfeito para quem sabe que os cães são melhores que as pessoas Divulgação / Diamond Films

Um suspense macabro e tocante de Luc Besson no Prime Video: perfeito para quem sabe que os cães são melhores que as pessoas

Para cada desafortunado do mundo há um cão mandado por Deus. A frase do escritor e político francês Alphonse de Lamartine (1790-1869) serve de epígrafe a “Dogman”, um tratado sobre a solidão pós-moderna que tenta fugir do óbvio ao ancorar a história num homem que sobrevive a uma família disfuncional e torna-se um bandido com hábitos nada comuns. O roteiro do diretor Luc Besson é um verdadeiro parque de diversões para um ator talentoso, e Caleb Landry Jones tem o condão de absorver as muitas camadas de Douglas Munrow, um garoto que sofre toda sorte de abusos durante a traumática infância e vai aprendendo a libertar a fera que há em si com a ajuda dos únicos amigos que é capaz de fazer. Experiente em remover o verniz de hipocrisia das relações, Besson compõe com Jones um tipo burlesco, risível, mas não menos perigoso por saber exatamente de que maneira atacar seus adversários, quais são suas possíveis vulnerabilidades, até que se sinta pronto para dar o bote. E ele nunca erra, ainda que prejudique muito mais a si mesmo do que qualquer outra pessoa.

Na introdução, Doug aparece sentado à mesa com os pais e o irmão, Richie, quando irrompe uma briga. Mike, o pai vivido por Clemens Schick, o acusa de gostar mais dos cachorros que mantém para rinhas do que dos parentes — o que é tão verdadeiro quanto justo —, e a situação do menino piora muito quando descobre-se que ele alimenta os bichos antes dos abjetos combates, botando em risco o único ganha-pão dos Munrow. Mike arrasta o caçula até o canil e o arremessa lá para dentro, onde o garoto permanece por dias a fio, sem comida, até que sua mãe vem em seu socorro, para logo sumir, levando duas malas.

A sequência define o que se vai assistir minutos mais tarde, quando Doug aparece trancado num manicômio judiciário, depois de ter seu caminhão parado numa blitz e ser detido junto com seus setenta animais. Besson aperfeiçoa o discurso antirreligioso conforme avança a entrevista de Doug a Evelyn Decker, a psiquiatra que deixa o filho com a mãe e sai às duas da madrugada, atendendo ao chamado da diretoria da instituição. 

Ao longo dos 115 minutos, “Dogman” acrescenta outros flashbacks que convergem para mais possíveis justificativas acerca da tragédia de Doug, que além de tratador de cachorros assume publicamente seu lado transformista e encarna uma versão de peruca loira e vestido rosa de Édith Piaf (1915-1963), ao passo que Jones torna cada vez mais vívido o espectro da loucura desse homem acuado, mas que sabe explodir quando preciso.

A exemplo do que se tem em “O Profissional” (1994), o diretor reedita a parceria entre duas figuras muito distintas entre si, mas que, irmanadas pela dor, prestam-se a um estranho complemento uma da outra. Malgrado muitos elementos trevosos passem ao corpo do enredo — e Besson insista na tecla do fanatismo religioso na iminência do desfecho —, Doug, esse Coringa queer; seus cãezinhos delinquentes; e Evelyn, da ótima Jojo T. Gibbs, já compensam a viagem.

Filme: Dogman
Diretor: Luc Besson 
Ano: 2024
Gênero: Drama/Suspense
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.