Se você pensa que a paixão de um octogenário por uma moça cinquenta anos mais nova é coisa de cinema, você está enganado: nem nos filmes isso acontece mais, decerto por pressões que em nada se relacionam com o expediente cinematográfico. No entanto, “O Último Amor de Mr. Morgan” não deixa de ser uma profissão de fé no mais humano dos sentimentos, ainda que sob um outro prisma. A história de um professor de filosofia que, ao aposentar-se e deixar a cátedra em Princeton, vai morar em Paris com a esposa e vira uma alma penada depois que ela morre é contada por Sandra Nettelbeck de modo a parecer uma crônica da solidão urbana na pós-modernidade, sobretudo no momento em que os anos começam a pesar. Nettelbeck imprime um tom ambíguo a seu filme até determinado ponto, quando resolve colocar tudo em pratos limpos. Enquanto esse acerto de contas com a história não vem, o espectador deixa-se ludibriar gostosamente, guiado por atuações sublimes.
Depois de anos morando na Cidade Luz, o aristocrático Matthew Morgan ainda sofre para pedir sua baguete com presunto e queijo (e sem picles) no quiosque da esquina. Ele nunca aprendeu o francês porque tinha a ajuda de Joan, mas com sua morte não foi só a alimentação fora de casa que ficou mais difícil. Aos poucos, Nettelbeck e a corroteirista Françoise Dorner dão algumas pistas acerca da personalidade, digamos, agridoce do senhor Morgan, que flana sem destino por Paris em intermináveis viagens de ônibus, nos quais dá a entender que precisa esbarrar em alguém que o mereça. Isso literalmente acontece num lugar qualquer entre o boulevard Saint Germain e o primeiro distrito, quando o motorista dá uma freada brusca e ele vai parar no fundo do coletivo, para ser amparado por Pauline Laubie, uma professora de chachachá de trinta anos.
Matthew e Pauline saem numa conversa animada e a diretora aproveita para fazer seus truques à vista de todos, levando o velho professor a frequentar as aulas da dançarina ao passo que Joan, de Jane Alexander, continua a surgir para Matthew ao longo dos 111 minutos de filme. Ele vê semelhanças entre o cabelo das duas, e chega a admitir que a caótica Pauline é a rachadura por onde a luz entra em sua vida. Sim, ele está apaixonado — e ela está correspondendo. Mas…
No terceiro ato, a diretora menciona a família de Matthew, uma surpresa (!) para Pauline. Miles e Karen, os filhos, vêm da América depois que o velho tenta o suicídio tomando um vidro de pílulas e vai parar numa cama de hospital. Essa é a hora em que o desempenho de Michael Caine dá uma bem-vinda guinada e seu personagem faz todos os acenos de que está disposto a lutar por Pauline, mas Nettelbeck deve ter se incomodado com a ideia de um relacionamento intergeracional desinteressado e empurra a garota para o Morgan mais novo, na esteira da subtrama que marca a decisão do patriarca de presentear a amiga com uma casa em Saint-Malo (!!), onde costumava refugiar-se com Joan.
Até onde “O Último Amor de Mr. Morgan” deixa, a parceria entre Caine e Clemence Poesy é o grande trunfo deste filme, que também conta com lances de autêntico deleite cênico realçado pelas participações de Justin Kirk e Gillian Anderson, explorando vertentes opostas do texto de Nettelbeck e Dorner. Este é um caso bastante peculiar de filme cujo elenco brilhante faz de tudo para defender uma história que não é-lhe digna.
★★★★★★★★★★