A mulher pós-moderna é, talvez, o maior símbolo das profundas mudanças sociais ocorridas nos últimos cinquenta anos. Se até os anos 1970 mulheres em posições de liderança eram tão raras quanto um marciano de imaginação infantil, hoje é comum encontrá-las à frente de megacorporações, sejam elas do comércio varejista ou do sistema financeiro. Com sapatos de salto alto, batons de cores marcantes e ternos impecáveis, elas têm conquistado espaços historicamente negados, enfrentando desafios imensos e superando barreiras impostas por um sistema que, por muito tempo, favoreceu amplamente os homens. Essas pioneiras precisaram combinar resiliência e estratégia para vencer em um cenário que raramente lhes foi favorável.
O filme “Feios”, dirigido por McG e baseado no romance homônimo de Scott Westerfeld, toca em um dos temas mais urgentes da pós-modernidade: a busca incessante pela beleza padronizada. Publicado em 2005, o livro já alertava para os riscos de uma sociedade obcecada pela uniformidade estética. A narrativa acompanha Tally Youngblood, uma jovem que, ao atingir os dezesseis anos, é pressionada a se submeter a uma cirurgia capaz de eliminar todas as suas características únicas, tornando-a mais uma peça em uma sociedade robotizada. Essa adaptação cinematográfica, impregnada do DNA distópico do material original, vai além da crítica à obsessão pela beleza e reflete sobre as consequências de um futuro que anula as diferenças e celebra a conformidade.
O debate sobre a emancipação feminina é antigo, mas permanece tão relevante quanto em épocas passadas. Obras icônicas como “O Segundo Sexo” (1949) e “A Mulher Desiludida” (1967), da filósofa francesa Simone de Beauvoir, marcaram profundamente essa discussão. Enquanto o primeiro é uma análise filosófica e histórica das desigualdades enfrentadas pelas mulheres, o segundo apresenta histórias curtas onde protagonistas femininas revelam as dores de relações frustradas e os dilemas de existirem em um mundo dominado por homens. Esses trabalhos continuam a inspirar e a fundamentar as lutas contemporâneas, mas também evidenciam o longo caminho que ainda há pela frente.
No contexto de “Feios”, o roteiro escrito por Whit Anderson, Jacob Forman e Vanessa Taylor aborda a emancipação feminina de forma multifacetada. A narrativa expande o foco para um público global, questionando os padrões que regem não apenas as aparências, mas também a própria essência da individualidade. Tally, interpretada por Joey King, vive em uma sociedade onde as diferenças físicas são vistas como falhas que precisam ser corrigidas. Durante toda a vida, a personagem sonhou em ser bela segundo os padrões impostos. Contudo, às vésperas de realizar a tão esperada cirurgia, ela é tomada por dúvidas existenciais que vão além da estética, questionando sua identidade e as imposições de um sistema que lucra com a homogeneidade.
Joey King oferece uma interpretação notável de Tally, demonstrando um nível de maturidade que impressiona. Sua atuação é capaz de carregar o filme praticamente sozinha, conferindo profundidade emocional a uma personagem em constante conflito. A direção de McG mantém o equilíbrio entre o visual grandioso e as nuances intimistas da narrativa, enquanto a fotografia de Xiaolong Liu traduz, com maestria, o contraste entre a opressão do ambiente distópico e os momentos de introspecção da protagonista.
“Feios” é muito mais do que um comentário sobre padrões de beleza; é um alerta sobre os perigos da uniformização e da perda da individualidade. Ao refletir sobre essas questões, o filme reafirma a necessidade de valorizarmos as diferenças em uma sociedade que, apesar de mais moderna, ainda precisa evoluir.
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