A Espanha, terra de tradições e narrativas vigorosas, não se limita aos aclamados trabalhos de Pedro Almodóvar. Em 2021, o cineasta Lluís Quílez apresentou um novo fôlego ao suspense com “Abaixo de Zero”, mesclando elementos densos e introspectivos com uma trama de crescente intensidade. Coescrito com Fernando Navarro, o roteiro parece simples à primeira vista, mas carrega camadas que surpreendem, revelando nuances inesperadas no desenrolar da história.
Em uma noite de inverno rigoroso em Cuenca, dois policiais enfrentam desafios em meio à tarefa aparentemente rotineira de transportar sete criminosos de alta periculosidade. Martín, em seu primeiro dia na função, assume o volante de um ônibus penitenciário, enquanto Montesinos, seu colega de serviço, conduz a operação com certa descontração. Contudo, a tensão entre ambos logo emerge, delineando perfis opostos: Martín, um pai dedicado e íntegro, contrasta com a postura permissiva e moralmente questionável de Montesinos. Esse embate, inicialmente discreto, torna-se central à medida que a missão se transforma em um pesadelo.
Os prisioneiros — cada um com histórias e crimes próprios — compõem um grupo diverso e inquietante. Entre eles estão Ramis, vivido por Luis Callejo, e Nano, interpretado por Patrick Criado, que, como os demais, carregam segredos e estratégias para contornar as medidas de segurança. Apesar das revistas minuciosas, um pequeno artefato metálico escapa à detecção, prenunciando os conflitos que se desenrolarão na estrada. À medida que o ônibus avança sob a neblina densa, o ambiente se torna claustrofóbico, enquanto as diferenças entre os passageiros e a equipe policial se intensificam.
O suspense se aprofunda com a aparição de Miguel, papel de Karra Elejalde, cuja motivação para interromper o transporte transcende o mero resgate ou fuga. Ele busca vingança por uma tragédia pessoal, confrontando Nano em um embate que desafia todos os envolvidos. As tensões internas e externas se misturam, gerando momentos de angústia e ação intensa. As interpretações de Gutiérrez, Elejalde e Criado elevam a trama, entregando performances emocionantes e memoráveis.
A direção de Quílez é precisa, conduzindo o espectador por uma narrativa cheia de reviravoltas, sem deixar pontas soltas. Inspirado por outros suspenses contemporâneos, como “A Qualquer Custo” (2016), o filme se destaca pela sua originalidade e execução primorosa. Com 106 minutos de pura tensão, a obra encerra de forma satisfatória, coroando uma jornada onde cada elemento — da ambientação gelada às escolhas dramáticas — contribui para o impacto visceral da história.
★★★★★★★★★★