Aludindo a um dos movimentos mais emblemáticos de resistência popular contra as tropas nazistas, o cineasta venezuelano Jonathan Jakubowicz transforma “Resistência” em um manifesto contra a opressão vivida por seus ancestrais durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A trama mergulha na extraordinária história de Marcel Marceau (1923-2007), cuja vida e arte transcenderam a ribalta, tornando-se ferramentas de sobrevivência e salvação em tempos sombrios. Jakubowicz, assim como Marceau, enfrenta o desafio de desafiar cosmovisões totalitárias com as armas que possui — neste caso, o cinema —, em uma empreitada que pode não ter o mesmo impacto de outrora, mas que jamais perde sua relevância.
O filme retrata Marceau em sua juventude, um jovem franzino de origem judaica que, antes de ser conhecido como o maior mímico da história, descobriu no silêncio da mímica uma forma de lutar contra a barbárie. Passados apenas dez meses de sua iniciação no ofício inspirado por Lívio Andrônico, o pioneiro do teatro romano, Marceau precisou adaptar suas habilidades artísticas para enfrentar a brutalidade do regime nazista. Com coragem e criatividade, ele ajudou a salvar a vida de centenas de crianças judias, sem jamais empunhar uma arma. Nascido como Marcel Mangel, sua transformação em Marceau não foi apenas uma questão artística, mas uma declaração de resistência à tirania.
No contexto histórico, o filme nos transporta para uma Europa devastada pela ascensão do nazismo. Em 9 de novembro de 1938, a Noite dos Cristais sinalizava o início da concretização dos planos nefastos de Adolf Hitler. Com discursos manipuladores e uma imagem cuidadosamente cultivada, Hitler conquistava o apoio de uma Alemanha ainda marcada pelo rancor da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O filme captura essa atmosfera sombria ao contrapor a violência do regime nazista à delicadeza e profundidade da arte de Marceau, que, mesmo em meio ao caos, encontrou maneiras de trazer beleza e esperança.
Jesse Eisenberg entrega uma performance brilhante ao dar vida a Marceau, capturando tanto sua genialidade artística quanto sua coragem silenciosa. A interação entre Eisenberg e Karl Markovics — que interpreta Charles, o pai de Marceau — é um dos destaques do filme. Markovics encarna um judeu pragmático e cético quanto às ambições artísticas do filho, o que rende diálogos cheios de ironia e profundidade emocional. Essas interações exploram as tensões familiares e as dificuldades enfrentadas por Marceau em sua jornada inicial, ao mesmo tempo que destacam a força transformadora da arte.
A direção de Jakubowicz é habilidosa ao criar um equilíbrio entre a narrativa pessoal e o pano de fundo histórico. A guerra, representada por figuras como Klaus Barbie — interpretado com intensidade por Matthias Schweighöfer —, permanece como uma presença ameaçadora, mas distante o suficiente para que a história de Marceau se destaque. O confronto simbólico entre Marceau e Barbie encapsula a dicotomia entre a brutalidade e a beleza, entre a destruição e a criação.
Em última instância, “Resistência” é um tributo à capacidade humana de encontrar luz em meio à escuridão. Roger Scruton, filósofo britânico, argumentava que a arte não apenas embeleza o mundo, mas também oferece um refúgio diante da brutalidade. O filme de Jakubowicz ilustra essa ideia com maestria, ao mostrar como Marceau usou sua arte para inspirar e salvar vidas. Eisenberg, Markovics e Schweighöfer entregam performances memoráveis, compondo uma história que, embora pouco conhecida, merece ser celebrada como um exemplo do poder da criatividade e da coragem em tempos de adversidade.
“Resistência” é mais do que uma biografia; é um lembrete da força indestrutível da arte frente à opressão. Jakubowicz não apenas revisita a história de Marceau, mas também desafia o espectador a refletir sobre o papel da criatividade como forma de resistir à tirania. E, acima de tudo, deixa uma mensagem poderosa: mesmo nos tempos mais sombrios, a verdadeira arte não apenas sobrevive, mas também salva.
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