Se os deuses egípcios caminhassem entre nós, seria difícil imaginá-los refletidos nas feições de Gerard Butler e Nikolaj Coster-Waldau. Assim como as figuras religiosas ocidentais — de Jesus a Maria e José — foram historicamente apresentadas sob um prisma eurocêntrico, o fenômeno da “branquização” revela um dos alicerces do imperialismo cultural: a apropriação e ressignificação de narrativas globais à imagem do Ocidente. Essa prática não apenas desvirtua identidades autênticas, mas também simplifica e marginaliza tradições complexas, transformando culturas orientais em ornamentos para o olhar europeu.
No épico “Deuses do Egito” (2016), Alex Proyas, cineasta egípcio radicado na Austrália, tropeça ao reimaginar a rica mitologia de sua terra natal. Sob o fogo cruzado das acusações de “whitewashing” — escalar atores brancos para papéis de etnias não europeias —, o diretor chegou a pedir desculpas públicas, reconhecendo o impacto de suas escolhas. Contudo, suas palavras foram insuficientes para aplacar as críticas e o debate sobre representatividade, que ecoou muito além das salas de cinema.
Apesar desse erro histórico-cultural, o filme é um espetáculo visual grandioso. Dominado por efeitos gerados por computador, “Deuses do Egito” constrói cenários que misturam opulência e fantasia. Um destaque técnico notável é uma sequência de quatro minutos, cuja produção consumiu dois anos. Dentro desse universo digital, a trama acompanha Bek (Brenton Thwaites), um ladrão humano cujo destino se conecta ao de Hórus (Nikolaj Coster-Waldau), o deus banido após ser cegado e destronado pelo próprio tio, Set (Gerard Butler). Enquanto Bek busca ressuscitar sua amada Zaya (Courtney Eaton), Hórus persegue uma jornada para retomar o poder e restaurar o equilíbrio do Egito.
A parceria improvável entre o mortal Bek e a divindade Hórus é o fio condutor de uma narrativa que alterna ação e misticismo. Juntos, enfrentam criaturas mitológicas, exploram reinos além da imaginação e recebem ajuda de outros deuses pelo caminho. Para Hórus, essa odisseia não é apenas uma busca por poder, mas também uma trajetória de redenção e autoconhecimento. Entretanto, a profundidade das camadas míticas da história egípcia se perde na tradução para o cinema, com o enredo frequentemente priorizando o espetáculo visual em detrimento da complexidade simbólica ou histórica.
Produzido com um orçamento estimado em 140 milhões de dólares, “Deuses do Egito” obteve uma arrecadação global de 150 milhões, aquém das expectativas. Embora tecnicamente impressionante, o longa foi taxado como um fracasso financeiro, incapaz de recuperar os custos de produção e promoção. Contudo, o filme continua sendo uma ilustração intrigante dos dilemas enfrentados por grandes produções: a busca pela excelência técnica frequentemente entra em conflito com a fidelidade cultural, resultando em obras que encantam os olhos, mas falham em capturar a alma das histórias que pretendem contar.
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