A genial atuação de Cillian Murphy em drama histórico dirigido por Tim Mielants Divulgação / Big Things Films

A genial atuação de Cillian Murphy em drama histórico dirigido por Tim Mielants

Durante as gravações de “Oppenheimer”, Cillian Murphy revelou a Matt Damon sobre seu projeto de adaptação do livro de Claire Keegan, que aborda os terríveis crimes cometidos nas Lavanderias de Madalena, na Irlanda. Nessas instituições, mulheres consideradas promíscuas eram submetidas a um regime mais rigoroso que o de prisões, enfrentando escravidão, castigos físicos, fome e abusos psicológicos. O tema despertou o interesse imediato de Damon, que levou a ideia a Ben Affleck. Juntos, decidiram financiar a produção, que foi dirigida por Tim Mielants e protagonizada por Murphy.

Mielants, conhecido por seu trabalho em episódios de “Peaky Blinders” e pelo longa de Segunda Guerra “Caminhos da Sobrevivência”, lançado pela Netflix, imprime em “Pequenas Coisas Como Essas” seu estilo técnico e detalhista. Cada cena, cor e enquadramento carrega um significado meticuloso. No entanto, o roteiro adaptado por Enda Walsh, minimalista em diálogos e explicações, entrega uma narrativa que fala pouco e esclarece ainda menos.

O filme segue Bill Furlong (Murphy), um homem comum, discreto e trabalhador, que sustenta a família — composta por sua esposa e cinco filhas — com sua modesta empresa de fornecimento de carvão. Embora não ricos, os Furlong vivem com dignidade, e Bill é amplamente reconhecido na pequena cidade por sua generosidade e integridade. Um de seus clientes é a Lavanderia de Madalena, gerida por freiras austeras e reservadas, que abrigam mulheres grávidas, prostitutas e outras pessoas marginalizadas pela sociedade, acusadas de promiscuidade.

Durante uma entrega de carvão, Bill encontra uma jovem grávida trancada no depósito da lavanderia. Ele a devolve às freiras, que rapidamente tentam silenciá-lo, pagando-lhe para que não conte a ninguém sobre o que viu. Ainda que relutante, Bill não denuncia o ocorrido, mas a descoberta o transforma. Aos poucos, ele percebe que a instituição é palco de crimes sistemáticos, encobertos pelo silêncio cúmplice de toda a comunidade. Essa revelação reabre feridas de sua própria infância, quando ele também enfrentou o abandono do pai, a morte precoce da mãe e dificuldades financeiras até ser acolhido por uma herdeira bondosa da região.

O filme revela fragmentos do passado de Bill, incluindo memórias de sua mãe, que ajudam a compor sua trajetória de vida. No entanto, o avanço da trama é lento e vago, deixando muitas questões importantes sem resposta. Para espectadores que desconhecem a história das Lavanderias de Madalena, o enredo pode parecer enigmático demais, já que Mielants assume que todos estejam familiarizados com o contexto histórico. Assim, “Pequenas Coisas Como Essas” não é um filme acessível ou explicativo. Ao invés disso, oferece apenas um recorte específico, sem aprofundar-se nas origens, na culpabilidade ou no impacto geral dos crimes retratados.

Perguntas cruciais permanecem sem resposta: o que exatamente está acontecendo? Por que essas atrocidades ocorreram? Quem é responsável por elas? Como a sociedade irlandesa permitiu que tais abusos se perpetuassem por tanto tempo? Mielants opta por não abordar essas questões diretamente, entregando ao público apenas peças soltas de um quebra-cabeça complexo. Essa abordagem pode ser interpretada como uma maneira de evitar confrontar plenamente a gravidade do tema, enquanto transfere ao espectador a tarefa de decifrar o que aconteceu.

Por outro lado, a performance de Cillian Murphy é irrepreensível. Sua interpretação de Bill é profundamente emocional e convincente, transmitindo angústia e perplexidade com uma sutileza impressionante. Ele encarna com autenticidade o homem simples de um lugar insignificante, que enfrenta dilemas morais profundos sem alarde. Apesar do silêncio e da introspecção de seu personagem, Murphy comunica sentimentos intensos que capturam a essência da narrativa.

Embora o filme tenha méritos em sua estética e na atuação de Murphy, ele falha em explorar o potencial dramático e social do tema. A direção de Mielants evita confrontar a complexidade dos horrores das Lavanderias de Madalena, deixando o público com mais perguntas do que respostas. Para aqueles que não têm familiaridade prévia com o contexto histórico, “Pequenas Coisas Como Essas” pode parecer uma obra fragmentada e distante, que exige esforço para ser plenamente compreendida. Ainda assim, a produção cumpre o papel de reacender o debate sobre um dos capítulos mais sombrios da história recente da Irlanda.

Filme: Pequenas Coisas Como Essas
Diretor: Tim Mielants
Ano: 2024
Gênero: Drama
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.