O mal frequentemente se oculta nos cantos mais improváveis. Em um mundo cada vez mais desordenado, onde o homem parece esgotado até mesmo de simular civilidade, emergem instintos primordiais que transgridem normas essenciais e expõem uma face obscura e selvagem. A vida, por sua vez, transforma-se em uma sucessão de cobranças e dilemas internos que oscilam entre o trivial e o profundamente inquietante. A incerteza quanto ao futuro se torna uma sombra persistente, alimentada pelo receio de surpresas para as quais jamais estaremos preparados. Tal prudência reflete não apenas sabedoria, mas também uma aceitação inevitável: a fragilidade da existência diante de um destino que, em qualquer instante, pode substituir promessas de prosperidade e continuidade por interrupções abruptas e definitivas.
Boa parte dos desafios impostos pela vida manifesta-se na forma de crises de saúde, lembrando-nos de sua primazia para a realização de qualquer empreendimento. Em meio à rotina intensa e extenuante que nos aliena dos conflitos mais profundos, a luta pela sobrevivência impõe-se como um ideal comum a todos. É nesse contexto que se desenrola o drama de “O Enfermeiro da Noite” (2022), inspirado em uma história real. O filme, além de relatar a jornada de um serial killer que operou por mais de sete anos, presta tributo a uma mulher extraordinária. Sob a direção de Tobias Lindholm, o roteiro de Krysty Wilson-Cairns guia o espectador em um jogo de expectativas, deslocando o protagonismo de forma sutil, mas eficaz. Baseado na obra homônima de Charles Graeber, o longa constrói uma narrativa onde fatos sombrios encontram ressonância em dilemas humanos universais.
Embora o título original, “The Good Nurse”, tenha sofrido uma adaptação questionável no Brasil, desviando os holofotes para o personagem de Eddie Redmayne, a verdadeira força do filme está em Jessica Chastain. A atriz entrega uma performance que ecoa a intensidade de trabalhos como “A Hora Mais Escura” (2012) e “Os Olhos de Tammy Faye” (2021), pelos quais já foi amplamente reconhecida. Sua personagem, Amy Loughren, é uma enfermeira dedicada, mãe solteira e enfrentando problemas cardíacos graves, que desempenha suas funções com resiliência admirável. A entrada de Charles Cullen, vivido por Redmayne, adiciona uma camada de tensão crescente, pois o que parecia ser uma relação de apoio e alívio revela-se um mergulho em um escândalo chocante, desvendado por dois detetives interpretados com precisão por Noah Emmerich e Nnamdi Asomugha.
Na derradeira sequência, o filme apresenta informações que elucidam os destinos de Cullen e Amy, entregando um final que equilibra melancolia e satisfação. A química entre Chastain e Redmayne, habilmente explorada pela direção, eleva a produção a um patamar de excelência. O resultado é um estudo de caráter que combina tensão, humanidade e um olhar crítico sobre as falhas do sistema, deixando a sensação de que essa parceria deveria ter acontecido muito antes.
★★★★★★★★★★