A grandeza de Sergio Leone (1929-1989) atravessa o tempo sem cerimônia. Copiado até hoje (e cada vez mais), o diretor sabia como poucos traduzir a vastidão poeirenta e mórbida do Velho Oeste em dilemas morais quase insolúveis, centrados em sujeitos coléricos, e nenhum outro de seus excelentes trabalhos captou com tanta fineza de espírito a dura vida daqueles homens tortos como “Três Homens em Conflito”. O cenário agiganta-se ao passo que os personagens parecem menores tomada após tomada, graças à preferência de Leone por enquadramentos grandiloquentes, uma sua marca bastante conhecida, sensação que torna-se mais nítida diante do silêncio incômodo de algumas cenas, tudo milimetricamente urdido como uma maneira nada óbvia de questionar a liberdade de que eles julgavam usufruir.
Em “Terra Sem Lei” (2019), o irlandês Ivan Kavanagh se inspira no Sergio Leone de “Por Um Punhado de Dólares” (1964), que por sua vez nasceu da adaptação de “Yojimbo” (1961), dirigido por Akira Kurosawa (1910-1998), e nos três longas percebe-se a deliberação quanto a passar por cima da dita lógica e deixar que cada elemento se mostre com a força necessária para a sequência em desenvolvimento. A partir de um roteiro de Agenore Incrocci (1914–2005), Furio Scarpelli (1919–2010) e Luciano Vincenzoni (1926-2013), Leone chega a um cemitério onde uma fortuna em ouro está enterrada numa cova, o que desperta a ganância dos três homens do título. O misterioso Homem sem Nome, o Bom (ou “Loirinho”), aponta sua arma para o Mau, que mira o Feio, e esse primeiro imbróglio alonga-se o necessário para causar na audiência um ligeiro mal-estar, que logo vira um suspense cujas intenções só mesmo o diretor conhece. Contudo, em se recordando seu estilo, cheio de ironia e blagues metalinguísticas, entende-se aonde ele quer chegar.
É claro que não se pode tomar o que acontecia nos Estados Unidos entre os séculos 18 e 19 à luz do politicamente correto — nem mesmo nas então metrópoles e hoje megalópoles Nova Amsterdã, rebatizada de Nova York, e Fort Dearborn, a não menos glamorosa Chicago de nossos dias —, e essa é a regra de ouro dos westerns. Um Eastwood na flor de seus 36 anos responde por aquela natureza rebelde dessas histórias, enquanto Tuco, o personagem de Eli Wallach (1915-2014), dá a impressão de estar sempre à procura de lugar no mundo, incapaz de ajustar-se ao que quer que seja, desconfortável até sob a própria pele. Lee Van Cleef (1925-1989), veteraníssimo em seu 53º filme, confere a seu Angel Eyes a frieza de que tipos como esses precisam para se manter no jogo, e de cada um Leone tira atuações muito acima da média, adequadas à obra-prima que definiu o subgênero que se confunde com sua carreira. O spaghetti western continua suculento.
★★★★★★★★★★