Há quem questione se assistir a determinadas produções cinematográficas equivale a devorar um lanche apressadamente: sabor passageiro, mas recheado de exageros. Nesse caso específico, Liam Neeson volta a vestir o papel de herói improvável em uma história que se passa a dez quilômetros de altitude. O diretor Jaume Collet-Serra, conhecido pela predileção por cenários claustrofóbicos, transporta a audiência para o interior de um avião em pleno voo, onde o perigo não cessa e a lógica precisa ser momentaneamente deixada de lado. O resultado é uma narrativa repleta de reviravoltas, sustentada por um protagonista que, apesar de experiente, carrega traumas e inquietações que se manifestam quando o mundo vira de ponta-cabeça.
Bill Marks, o agente federal interpretado por Neeson, não é o tipo de profissional cuja vida pessoal inspira confiança: ele bebe demais, revela sinais de desleixo e, ainda por cima, sofre diante de turbulências e decolagens. O espectador, então, se pergunta por que alguém com tantas fragilidades teria permissão para embarcar em missões aéreas, ainda mais portando uma arma. Essa dúvida alimenta a tensão desde o princípio, pois, em vez do típico mocinho, temos um indivíduo que desperta suspeita até mesmo quando se esforça para ser o salvador.
A ação engrena quando mensagens de texto ameaçam dizimar um passageiro a cada vinte minutos, a menos que uma quantia exorbitante seja transferida para uma conta bancária. A partir daí, a atmosfera se impregna de paranoia. O roteiro adota uma linha que lembra obras de mistério de épocas passadas, com referências a correntes literárias que adoravam trancar pessoas em vagões e salões luxuosos, fomentando um clima de desconfiança generalizada. Da religiosa ao empresário, todos podem esconder segredos. A produção ainda brinca com estereótipos contemporâneos, como o viajante muçulmano que se torna alvo do olhar apreensivo de quem não o conhece, e a comissária solícita que pode estar envolvida em tramas ocultas.
Julianne Moore aparece como uma passageira que conversa sem parar, mas talvez carregue algo mais profundo do que um simples desejo de distrair o agente perturbado. Michelle Dockery interpreta uma profissional da aviação que tenta manter as aparências, ao passo que Lupita Nyong’o, mal aproveitada, surge apenas em alguns momentos breves. Corey Stoll, visto antes em papel de policial, também figura aqui como um viajante descrente, constantemente atento às ações de Marks. A cada cena, as teorias mudam e qualquer rosto pode ser o vilão, ainda que a história admita não ter a menor pressa em revelar quem de fato é o responsável pelas mortes.
Mesmo que a narrativa seja movida a adrenalina, há passagens em que a coerência ameaça despencar. É preciso aceitar que, dentro de um avião, incidentes aparentemente impossíveis aconteçam. Collet-Serra investe em enquadramentos sufocantes e movimentos de câmera que acentuam a sensação de confinamento, algo essencial para intensificar o suspense. No entanto, certos detalhes do roteiro podem provocar estranhamento, como a rapidez com que o público e a mídia reagem, julgando o agente antes mesmo de qualquer prova consistente. Há uma crítica discreta ali: a ânsia por manchetes, somada ao medo de qualquer irregularidade em voos comerciais, cria um tribunal instantâneo que julga sem direito a ampla defesa.
Neeson, que já foi visto enfrentando criminosos no Velho Continente e até lobos selvagens em outro título, retoma o papel do sujeito rústico que sabe desferir golpes e, ao mesmo tempo, exibir vulnerabilidade. É notável que a idade começa a se manifestar, mas ele não perde o vigor necessário para encarar cenas físicas e diálogos ásperos. O roteiro explora essa dualidade para humanizar Bill Marks: um homem capaz de brutalizar inimigos em um corredor apertado, mas que treme quando confrontado pelos fantasmas do passado. Essa faceta confere certa profundidade ao enredo, mesmo que o foco geral ainda seja a emoção e a tensão imediata.
No decorrer da projeção, o público percebe que não existe pretensão de oferecer algo grandioso e filosófico. O que se vê é um jogo de empurra, no qual a identidade do inimigo permanece incerta por bom tempo, e cada reviravolta deixa a narrativa em constante ebulição. Quando finalmente descobrimos quem orquestra toda a trama, surge aquela sensação de estranheza típica de roteiros que se esticam além do ponto. Não é possível negar, entretanto, que essa costura exagerada mantenha o ritmo em alta e garanta algum sabor de surpresa para quem assiste.
No fim, o filme não se propõe a revolucionar o gênero de ação, mas diverte quem busca algo próximo de uma montanha-russa: uma experiência agitada, com curvas inesperadas e a necessidade de prender o cinto para não despencar. Se por um lado ele ecoa a impressão de ser um “fast-food” cinematográfico — digerido rapidamente e suscetível a certo desconforto reflexivo —, por outro, cumpre a promessa de segurar a atenção. A fotografia, com toques sombrios, e a montagem que não deixa pausas longas tornam a experiência dinâmica, ainda que não livre de falhas.
Em última análise, há um convite para refletir sobre a fragilidade das instituições encarregadas de nossa segurança e a facilidade com que histórias mal explicadas se tornam manchetes. A obra demonstra que, ao menor sinal de perigo em pleno ar, tudo e todos podem virar alvo de especulação. Neeson, com sua figura de veterano incansável, ancora boa parte do interesse, enquanto o espectador, já ambientado ao caos a bordo, acompanha os desdobramentos com um misto de ceticismo e fascínio. Ainda que não se trate de uma inovação cinematográfica arrebatadora, essa aventura a 30 mil pés cumpre a função de entreter e fazer o público sair do cinema se perguntando: “Em quem confiar quando se está sem escapatória?” A resposta continua no ar — literalmente.
★★★★★★★★★★