As forças de Hitler não apenas dominavam territórios, mas também escalavam novas alturas de brutalidade, especialmente contra os judeus, durante os seis anos devastadores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em “Caminhos da Sobrevivência”, o diretor belga Tim Mielants aborda esse capítulo sombrio com uma narrativa inquietante e visceral, explorando uma faceta pouco discutida da ocupação nazista na Antuérpia. A abordagem do cineasta é direta, sem concessões, conduzindo o espectador por uma trajetória de angústia e horror meticulosamente construída.
No cerne da história está Wilfried Wils, um policial de rua que, em 1942, se vê transformado em instrumento da máquina de genocídio nazista. A rotina, que deveria limitar-se à manutenção da ordem, é tomada por uma missão imposta: localizar, capturar e exterminar judeus, ao mesmo tempo em que saqueia seus bens. A ocupação nazista transformara os bairros da Antuérpia em um tabuleiro de caça, onde a vida humana era reduzida a uma estatística. Robrecht Heyvaert, diretor de fotografia, rompe a monotonia visual com o impacto do vermelho do sangue, que salpica a tela como lembrete da violência insuportável.
Mielants, ao lado dos corroteiristas Carl Joos e Jeroen Olyslaegers, constrói uma trama onde a tensão e o dilema moral de Wils ganham complexidade. A polícia comum, outrora vista como protetora da ordem, passa a emular as práticas cruéis reservadas aos “indesejáveis”. Sob a coação implacável do regime, muitos cedem, e Wils não é exceção. Ainda assim, ele tenta criar brechas mínimas para que suas vítimas escapem do destino sombrio que ele mesmo ajuda a impor. A situação atinge um ápice perturbador quando, acompanhado de Lode Metdepenningen, um colega policial, Wils bate à porta de Chaim Litzke, um judeu abastado interpretado por Pierre Bokma. Ali, o terror se materializa em sua forma mais crua, culminando em uma explosão de ira cujas consequências ressoam no restante do filme.
Conhecido por seu trabalho em “Peaky Blinders” (2013–2022), Mielants transforma o suspense de “Caminhos da Sobrevivência” em um relato denso, com camadas de fatalismo e uma narrativa que não perde o fôlego. A violência dos crimes nazistas é exposta sem eufemismos, enquanto Stef Aerts e Matteo Simoni dão vida a personagens que carregam o peso de suas escolhas e omissões. Longe de ser apenas “mais uma história sobre o nazismo”, o filme rompe com o lugar-comum, destacando-se como um retrato de horror íntimo e desumanização sistemática.
Ao invés de buscar consolo ou redenção, Mielants oferece um mergulho na psique de seus personagens, revelando os limites da moralidade humana sob condições extremas. É um filme que não permite neutralidade ao espectador, forçando-o a confrontar o impacto das escolhas, mesmo quando todas as opções levam à ruína.
★★★★★★★★★★