Quando “O Tigre Branco”, sob a direção de Ramin Bahrani, estreou, tornou-se inevitável a comparação com “Parasita”, o fenômeno sul-coreano vencedor de quatro Oscars. Apesar de ambos compartilharem a crítica incisiva às desigualdades sociais — explorando, respectivamente, as castas indianas e os abismos de classe —, “O Tigre Branco” se diferencia ao imprimir uma abordagem singular, tanto temática quanto estilística. Embora não atinja o refinamento técnico e narrativo do filme de Bong Joon-ho, a obra de Bahrani apresenta momentos de densidade intelectual e provoca reflexões penetrantes sobre capitalismo, democracia e as ilusões de ascensão social.
O filme desmonta a narrativa de que a Índia é a maior democracia do mundo, expondo-a como um sistema que serve primordialmente às elites. Em uma frase marcante, o protagonista declara que os pobres indianos só encontram duas saídas para prosperar: “pelo crime ou pela política”. Essa constatação, ainda que enraizada no sistema de castas, transcende fronteiras e se aplica ao funcionamento estrutural do capitalismo global.
Uma das diferenças mais notáveis entre “O Tigre Branco” e “Parasita” está na tonalidade: enquanto o segundo se firma como um drama impregnado de humor ácido, o primeiro mescla elementos de comédia ao estilo bollywoodiano, resultando em uma narrativa ao mesmo tempo vibrante e mordaz. Essa combinação de leveza estética e crítica ácida gera um contraste poderoso, sublinhando as tragédias pessoais do protagonista, Balram (Adarsh Gourav).
Balram, um jovem pertencente a uma casta baixa, abandona sua vila com a ambição de superar as adversidades impostas pela sociedade estratificada. Desde o início, o público é informado de que ele alcançará o sucesso material almejado, mas o filme mantém o suspense em torno dos sacrifícios e das escolhas morais que o levarão a esse ponto. Em muitos momentos, a câmera captura de perto as expressões de Balram, revelando um sorriso que disfarça humilhações e uma determinação inabalável.
A direção de fotografia desempenha um papel essencial na narrativa, contrastando cores vivas com sombras profundas para ilustrar a disparidade social. Enquadramentos cuidadosamente compostos evidenciam a opressão de maneira quase subliminar, enquanto a interseção entre luz e escuridão simboliza as ambiguidades morais dos personagens. A estética bollywoodiana, com seu apelo visual exuberante, é empregada com ironia para pontuar a coexistência de tragédia e comédia no roteiro.
No desenlace, “O Tigre Branco” desafia o público a avaliar o sucesso de Balram sob uma perspectiva crítica. Apesar de alcançar a riqueza que tanto almejava, seu triunfo é maculado por escolhas éticas duvidosas, deixando a dúvida sobre se ele realmente transcendeu o ciclo de opressão ou apenas se tornou parte dele. Essa ambiguidade final transforma a narrativa em algo mais do que uma história de superação: um convite a refletir sobre os custos do sucesso em uma sociedade hierarquizada.
A obra de Bahrani não se limita a narrar a trajetória de um indivíduo, mas apresenta uma análise multifacetada das dinâmicas de poder e corrupção. Ao questionar as bases de sistemas aparentemente inabaláveis, como democracia e capitalismo, “O Tigre Branco” ultrapassa os limites do cinema convencional, entregando uma experiência que é tanto visualmente impactante quanto intelectualmente instigante.
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