“Ensina-me a Viver” costuma ser lembrado como um caso incomum de longa-metragem que não só discute uma diferença de idades extrema — são quase sessenta anos separando seus protagonistas —, mas também reflete sobre liberdade individual, humor sombrio e a redescoberta de um sentido para a vida. No início dos anos 1970, quando a contracultura se consolidava como força criativa em Hollywood, o diretor Hal Ashby arriscou levar ao público uma história centrada em Harold (Bud Cort), um jovem de dezenove anos obcecado por funerais e simulações de suicídio, e Maude (Ruth Gordon), uma mulher na casa dos setenta que celebra o presente com entusiasmo contagiante. O lançamento, em 20 de dezembro de 1971, pela Paramount, aconteceu em meio a um cenário em que outras produções questionavam barreiras sociais, mas raramente iam tão longe em termos de choque geracional.
A polêmica em torno de “Ensina-me a Viver” ecoa em debates recentes a respeito de relacionamentos com amplo intervalo etário, exemplificados por filmes como “Licorice Pizza”, de Paul Thomas Anderson, e “Red Rocket”. Embora muitos espectadores confundam retrato com apologia, a criação de Ashby evidenciou, décadas antes, que exibir algo complexo na tela não significa endossar práticas questionáveis. Assim, se “Harold e Maude” provocou estranhamento ao mostrar uma conexão afetiva entre um rapaz e uma senhora já em idade avançada, foi justamente esse desconforto que despertou reflexões acerca do que a sociedade tolera ou rejeita — temas que reverberam até hoje.
A essência do filme se revela na forma como Hal Ashby, já conhecido por trabalhos que criticavam instituições opressoras ou retratavam tensões políticas — caso de “A Última Missão” (1973) e “Shampoo” (1975) —, decidiu explorar o potencial transformador de dois personagens marginalizados. Enquanto suas outras obras frequentemente confrontam estruturas sociais injustas, aqui o foco recai sobre seres à deriva que se atraem por um sentido de liberdade. Harold dirige um carro fúnebre para zombar de sua vida privilegiada, ao passo que Maude, sobrevivente do Holocausto, trata seu passado doloroso sem perder a alegria de viver. Ela mora em um vagão de trem modesto, rouba automóveis sem culpa e convida Harold a “ser livre” — conselho presente também nas canções de Cat Stevens, cujo repertório melancólico e esperançoso costura a narrativa.
Para além do enredo, a recepção a “Ensina-me a Viver” foi turbulenta. Embora críticas positivas tenham surgido, periódicos influentes consideraram a obra pessimista e até ofensiva, e o público inicial mostrou pouca adesão. A Paramount temia que o relacionamento entre um adolescente e uma senhora fosse repelido pelos espectadores. No entanto, com o passar do tempo, sessões alternativas de exibição revelaram um contingente fiel de admiradores. A combinação de humor negro, romance fora dos padrões e uma trilha marcante de Cat Stevens transformou o filme em um clássico cult, aproveitando o contexto da Nova Hollywood descrito por Peter Biskind em “Easy Riders, Raging Bulls”. Nascia, assim, a reputação de um trabalho que questiona não apenas convenções românticas, mas também convenções sobre como encarar a morte, a solidão e a autonomia pessoal.
A produção enfrentou obstáculos desde a pré-produção. Hal Ashby titubeou diante da possibilidade de que a proposta soasse exagerada. Bud Cort, que saíra de “MASH” (1970), foi escolhido para viver o introvertido e mórbido Harold, enquanto Ruth Gordon, após vencer o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “O Bebê de Rosemary” (1968), recebeu a missão de encarnar uma personagem cheia de vitalidade, apesar das cicatrizes da guerra. Ao longo das filmagens, as cenas de suicídio encenado e os roubos cometidos por Maude reforçaram o risco de incompreensão pelo público. Ainda assim, o diretor persistiu, crente de que a ironia e o carisma do casal serviriam como antídoto à tensão inerente a uma diferença de idade que beira o improvável.
No pano de fundo, a tatuagem de Maude — um número impresso no campo de concentração — contrasta com seu comportamento espirituoso, lembrando que a vida pode ser frágil e intensa ao mesmo tempo. Do outro lado, Harold, ignorado por uma mãe dominadora que tenta impor-lhe casamentos e alistamento militar, encena múltiplas mortes para chamar atenção. À medida que se aproximam, seu vínculo deixa de parecer grotesco e assume contornos de manifesto pela singularidade: o filme defende que viver verdadeiramente requer coragem para rejeitar fórmulas impostas, seja quanto a normas sociais, seja quanto à diferença de gerações.
Passadas cinco décadas e meia, “Ensina-me a Viver” conserva um frescor que poucos longas do período mantêm. Enquanto outros marcos setentistas, como “Laranja Mecânica”, avançavam em temas políticos e violência explícita, a obra de Ashby falava de vida e morte de um jeito agridoce, propondo risadas mesmo em momentos de melancolia. A despeito de o diretor ter encerrado sua fase mais produtiva na virada dos anos 1980, e Ruth Gordon ter falecido em 1985 aos 88 anos, a influência do filme permanece sólida. Bud Cort, por sua vez, dedicou décadas a papéis peculiares, mantendo a aura de estranheza que definiu Harold.
No fim das contas, o legado de “Ensina-me a Viver” transcende a peculiaridade de um romance entre um jovem e uma idosa. Ao colocar em debate a liberdade de ser quem se é, o valor da rebeldia e a capacidade de encontrar humor até nos cenários mais sombrios, o longa atravessa o tempo como um lembrete de que convenções sociais não são lei universal. Quando Maude convida Harold a “ir e amar mais” ou insiste na ideia de que, se desejamos ser livres, podemos simplesmente tomar as rédeas de nossa existência, ela lança uma mensagem sobre empatia e coragem que continua inspiradora. Em síntese, essa produção permanece atual por erguer, a cada cena, um brado contra qualquer tentativa de conformismo — e não há nada mais atemporal e essencial ao espírito humano do que isso.
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