Os Washington parecem determinados a ampliar sua influência criativa em Hollywood. Depois de Denzel ter marcado presença como diretor e protagonista em “Fences — Um Limite Entre Nós” há oito anos, agora é a vez de Malcolm Washington, o filho mais novo, fazer sua estreia promissora atrás das câmeras com “Piano de Família”. Assim como o filme de 2016, esta nova obra também adapta um dos marcos teatrais de August Wilson, consolidado nos palcos da Broadway em 1987. Reconhecido como uma das vozes mais poderosas do teatro americano, Wilson reuniu em “Piano de Família” uma narrativa profundamente intelectual com uma análise incisiva das tensões raciais nos Estados Unidos. A poesia e a força de suas palavras são preservadas pelo diretor e pelo corroteirista Virgil Williams, que recriam com meticulosidade a Pittsburgh da década de 1930, um cenário tão rico quanto os personagens que habitam a história.
O enredo tem início em 4 de julho de 1911, com os fogos de artifício celebrando a independência dos Estados Unidos, obtida em 1776 sob a liderança de George Washington. É nesse contexto que a família Charles herda um piano vertical, decorado com entalhes representando os rostos de seus ancestrais. Esse instrumento, tomado da casa de James Sutter como uma reparação informal, torna-se o centro de uma disputa que atravessa gerações. Passados 25 anos, no auge da Grande Depressão, Boy Willie, vindo do norte do Mississippi, chega à Pensilvânia com o objetivo de vender o piano e, com o dinheiro, adquirir um pedaço de terra — um sonho que carrega o peso das aspirações de inúmeros descendentes de escravizados.
John David Washington, irmão mais velho de Malcolm, dá vida a Boy Willie com uma interpretação magnética e cheia de nuances. Seus gestos amplos e discursos intensos capturam a inquietação de gerações que anseiam por autonomia e pertencimento. Contudo, sua determinação encontra resistência feroz em Berniece, interpretada com maestria por Danielle Deadwyler. Enquanto Boy Willie enxerga o piano como uma oportunidade de construir um futuro, Berniece o considera um símbolo irremovível de sua história e identidade, disposto a protegê-lo a qualquer custo. Essa tensão entre os dois personagens vai além de uma simples disputa familiar, tocando em questões universais sobre memória, legado e pertencimento.
Malcolm Washington, em sua estreia, utiliza elementos do realismo fantástico para enriquecer a narrativa, mas nunca perde de vista a urgência de temas sociais contemporâneos. O filme alterna entre momentos de lirismo e crueza, demonstrando a habilidade do diretor em equilibrar o simbólico e o pragmático. Nesse contexto, “Piano de Família” não é apenas uma releitura de um clássico teatral, mas também um convite para revisitar as verdades históricas que moldam a posição dos afro-americanos na sociedade atual.
Com performances de tirar o fôlego e uma direção que evidencia a complexidade da obra de August Wilson, “Piano de Família” reafirma seu status como um clássico atemporal, enquanto apresenta uma nova voz promissora no cinema. Malcolm Washington não apenas honra o legado de seu pai, mas também pavimenta seu próprio caminho em uma indústria que precisa, mais do que nunca, de histórias com essa profundidade e relevância.
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