O faroeste mais visceral, intenso, profundo e brilhante dos últimos 5 anos está no Max Divulgação / HBO Max

O faroeste mais visceral, intenso, profundo e brilhante dos últimos 5 anos está no Max

O pior das guerras é saber que, dando-se por encerradas séries de conflitos dos quais emergem pilhas de cadáveres, os vivos nunca voltam ao que eram. Os que triunfam garantem novos territórios, ao passo que os perdedores remoem em silêncio sua mágoa, até que não seja mais possível tolerar a dor e refervam todas as arcaicas malquerenças, num ciclo diabólico que faz girar a roda do mundo desde sempre. A Guerra Civil Americana (1861-1865) deixa como saldo um profundo fosso de desigualdades e loucura, e uma cidadezinha de Dakota do Sul, no centro-norte dos Estados Unidos, galvaniza a sensação de caos imanente a pairar sobre uma terra em busca de identidade e seu povo aflito. “Deadwood” reinou absoluta na HBO entre 2004 e 2006 e, passada mais de uma década do fim do programa, a derivação em formato de cinema é igualmente matadora. Daniel Minahan resgata o melhor do texto de David Milch imprimindo sua própria marca, agradando o público sem esticar a corda.

Um quarto de século depois da vitória do norte abolicionista, com a promulgação da Décima Terceira Emenda, em 31 de janeiro de 1865, Deadwood experimenta a glória de ver a Dakota do Sul emancipada. É 1889, e estradas de ferro começam a ligar os rincões da América ao progresso, como mostra a cena de uma locomotiva cortando a planície, quase como se assiste em “A Chegada de um Trem” (1895), dos irmãos Auguste Marie (1862-1954) e Louis Jean Lumière (1864-1948). O senador George Hearst (1820-1891), desaparecido após a terceira temporada, discursa exaltando a honra e a bravura da gente do condado, de olho nas propriedades de Charlie Utter (1838-1915), um dos mais conhecidos latifundiários da região, mas é a aparição de uma outra personagem que captura a atenção do espectador, embora Gerald McRaney e Dayton Callie continuem a se enfrentar até o desfecho, mudando um pouco a tônica dos caubóis jovens e impetuosos dessas narrativas. 

O roteiro de Bryan Law acrescenta situações ao que Milch já havia delineado, fazendo melhor proveito de ambientes a exemplo do Gem Saloon de Al Swearengen (1845-1904), outra raposa felpuda em assuntos de dinheiro e apetites da carne. Ian McShane junta-se ao clube dos velhos endiabrados, imprimindo ao anti-herói contornos  da mais vibrante humanidade. Swearengen recebe um diagnóstico nada auspicioso de Amos “Doc” Cochran de Brad Dourif, acusa o golpe, mas não se dá por vencido e segue à frente de seu negócio, movimentado graças a figuras como Martha Jane Canary-Burke (1852-1903), a Calamity Jane interpretada por Robin Weigert, provável esposa de Wild Bill Hickok (1837-1876). Melhor conhecedora daquelas paragens que muito marmanjo, Calamity Jane engrossa as fileiras de mercenários na luta contra os indígenas, polêmica que Minahan compra com gosto, mas ameniza ao também fixar-se no tumultuado romance de Alma Garret Ellsworth e Seth Bullock (1849-1919). A Molly Parker e Timothy Olyphant cabe a plateia de que o amor sempre compensa — mas o crime, ao menos em Deadwood, não deixa barato.

Filme: Deadwood: O Filme
Diretor: Daniel Minahan
Ano: 2019
Gênero: Drama/Faroeste
Avaliaçao: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.