Alguns filmes transcendem a simples narrativa histórica para capturar a essência da resistência humana. “O Fotógrafo de Mauthausen” é um desses raros exemplos. Ele retrata como indivíduos aparentemente comuns, diante do abismo da barbárie, transformam-se em faróis de esperança e coragem. Mártires não nascem como heróis; são moldados pelas circunstâncias, superando medos e convenções, guiados por uma determinação visceral de lutar pelo que é justo. Mesmo em um cenário onde a luz parece extinta, eles mantêm acesa a chama de uma revolução possível.
No coração do filme está a chegada de sete mil espanhóis a Mauthausen, um dos mais infames campos de concentração nazistas. Vindos de uma jornada de derrotas — do exílio pós-Guerra Civil Espanhola à fome e à miséria — esses homens foram despojados de sua nacionalidade por Ramón Serrano Suñer, ministro do regime franquista. Em Mauthausen, eles se tornaram prisioneiros políticos, sobrevivendo em meio à brutalidade dos kapos, supervisores presos que exerciam sua autoridade com crueldade. O roteiro brilhante de Alfred Pérez Fargas e Roger Danès não ignora a complexidade desse microcosmo de horrores, revelando que criminosos comuns, identificados pelos triângulos verdes, também integravam o sistema.
Francesc Boix, interpretado com precisão e sensibilidade por Mario Casas, é o protagonista dessa história. Ex-soldado republicano, ele encontra uma inesperada “oportunidade” ao cair nas boas graças do tenente-coronel nazista Paul Ricken. Os nazistas precisavam documentar fotograficamente seus próprios crimes — uma contradição perturbadora que reflete a dissonância moral do regime. Boix, incumbido dessa tarefa, emerge como uma figura central na luta pela preservação da verdade.
À medida que a narrativa avança, Boix se revela um líder resiliente, equilibrando humanidade e pragmatismo em um cenário de devastação. Mario Casas constrói um retrato multifacetado: seu Boix é ao mesmo tempo nobre e falível, humano em sua essência. Uma cena emblemática destaca essa dualidade — quando, levado a um bordel em Mauthausen, é consumido por memórias traumáticas de corpos queimando, incapaz de ceder ao momento. A breve, mas impactante, participação de Macarena Gómez como Dolores, uma prisioneira relegada a este destino cruel, intensifica o clima de desespero e tensão.
O legado de Boix transcende Mauthausen. Após a libertação, ele desempenhou um papel crucial ao apresentar suas fotografias no Tribunal de Nuremberg, tornando-se o único espanhol a testemunhar nesse contexto histórico. Suas imagens não eram apenas registros visuais; eram provas contundentes do que o ódio organizado pode infligir. Contudo, a liberdade não trouxe alívio. Enfraquecido pelas doenças contraídas no campo, Boix morreu jovem, aos 30 anos, em Paris, onde foi enterrado em uma cerimônia modesta, longe de sua família e de sua pátria.
Hoje, graças a Boix, o mundo testemunha, através de suas lentes, as profundezas do horror e a resiliência do espírito humano. Seu trabalho é um lembrete inapagável de que, mesmo diante das trevas mais densas, há aqueles que escolhem lutar para preservar a dignidade e a verdade. “O Fotógrafo de Mauthausen” não é apenas um relato histórico; é um tributo à força daqueles que ousaram desafiar o insuportável.
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