Desde que a consciência humana desperta, uma percepção inquietante nos acompanha: o desejo, em qualquer forma, impõe sacrifícios. Alguns suportáveis, outros profundamente perturbadores. As seduções do mundo prometem saciar, mas logo revelam o contrário: a insatisfação cresce como um incêndio, consumindo a essência humana desde tempos imemoriais. Essa chama destrutiva, queima incessante até o juízo final, perpetua-se até mesmo após a morte, como em uma pintura renascentista que narra, com precisão cruel, o ciclo eterno do desejo e suas consequências.
“O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford” explora os conflitos internos do homem em um cenário de violência e traição, onde luxúria, ganância e inveja se misturam em um enredo carregado de intensidades. O diretor Andrew Dominik, em continuidade ao estilo estabelecido em “Chopper” (2000), guia a trama com a precisão de quem entende os dilemas de criminosos fascinados por poder e idolatria. Como o título sugere, o desfecho é inevitável e trágico, mas o caminho até ele é construído por intrigas, pulsões reprimidas e a relação ambígua entre um fora-da-lei mitificado e seu devoto seguidor, a verdadeira força motriz da história.
Conforme a narrativa se desenrola ao longo de seus 160 minutos, Robert Ford (1862-1892) exibe uma obsessão por Jesse James (1847-1882), marcada por uma tensão inconfessável que o roteiro adapta do romance homônimo de Ron Hansen (1983). Embora nada explícito ocorra, a relação entre os dois homens evoca paralelos com outras histórias de intensidade emocional masculina, como “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005) ou “Estranha Forma de Vida” (2023). Desde a juventude, Ford idolatra Jesse, mas sua inclusão no círculo do clã criminoso é barrada por Frank, figura central vivida por Sam Shepard, em uma cena carregada de significados.
Na segunda metade do filme, a proximidade entre os dois protagonistas intensifica a tensão, com Jesse intuindo os verdadeiros desejos de Ford e aceitando, com resignação quase heroica, seu destino inevitável. Brad Pitt e Casey Affleck oferecem interpretações profundamente nuançadas, destacando os dilemas internos de cada personagem. Enquanto Jesse parece ceder com a certeza de que sua lenda sobreviverá, Ford busca a glória que acredita merecer, apenas para descobrir que sua traição o condenaria ao esquecimento e ao desprezo. No final, apenas o nome de Jesse James perdura, enquanto Ford afunda na infâmia.
★★★★★★★★★★