O amor pode ser como os perfumes, que evolam sem que se perceba, conquanto sempre deixem seu rastro de fragrâncias ora adocicadas, ora cítricas, quase azedas; como as cores, luminosas feito o sol numa tarde de verão, ou tão lúgubres e escuras que tingem de morte o que deveria sembrar apenas o existir mesmo. Dias de caos dão lugar às noites frias em que a cama parece um deserto branco de lençóis que a fadiga do corpo ajuda a vencer. No entanto, sempre chega a hora em que a solidão renuncia a suas eventuais delicadezas e põe de fora as garras, sabendo exatamente por onde começar seu ataque.
Vito, o protagonista de “O Truque do Amor”, teve uma experiência lamentável quando cedeu aos impulsos do exaltado coração e juntou os trapinhos com a namorada — mesmo que dessa união fugaz tenha saído um nenê adorável, que rouba a cena sem nenhum acanhamento. Umberto Riccioni Carteni desbasta as muitas camadas da vida de um legítimo malandro de Nápoles, até chegar ao argumento central de seu filme, um atrapalhado plano para salvar o prédio onde mora com Napoleone, o filhinho e o irmão, um pobre-diabo feito ele. É aí que as coisas ficam um tanto confusas.
Nas comédias românticas as diferenças culturais, aquelas que carregamos conosco aonde quer que possamos ir, continuam a pesar, claro, mas só até certo ponto, especialmente se estivermos na Itália, essa terra de mil encantos em que almas de ferro dobram-se à força do que não se vê, não se deixa tocar, mas se sente, a cada novo primeiro raio de sol. Lá, os sonhos parecem aflorar todos ao mesmo tempo, enquanto maturam-se os desejos que de fato têm valor e refletimos sobre tudo quanto almejamos alcançar, até (ou principalmente) sobre o que passou por entre nossos dedos e se foi para nunca mais. Vito dá a impressão de que tem sete gerações para choramingar pelos fracassos de uma trajetória ainda curta, mas bastante acidentada, cujo consolo só poderia mesmo ser a existência de uma criança inocente e saudável. Mas não.
Os roteiristas Caterina Salvadori e Ciro Zecca mencionam com espalhafato a ruína sem tradição que serve de casa a Vito, Napoleone e Antonello, e de imediato pensa-se em “Três Solteirões e um Bebê” (1987), o clássico de Leonard Nimoy (1931-2015), o eterno Capitão Spock da saga Jornada nas Estrelas (1966-1969), a série escrita por Gene Roddenberry (1921-1991) e sua bem-azeitada equipe e exibida pela NBC. Antonio Folletto e Vincenzo Nemolato ficam bem como esse estranho casal, mas como não se trata de um bromance ou de um conto gay modernoso à “A Gaiola das Loucas” (1978), de Édouard Molinaro (1928-2013), haveria de entrar uma mulher.
Vito, ou melhor, Carlo, consegue aproximar-se de Marina de Leonardi, a arquiteta que ambiciona derrubar o edifício e construir um hotel cinco estrelas. Folletto e Laura Adriani juntam-se para a velha brincadeira de pretendentes que se conhecem no decorrer de um ardiloso plano que beneficia a suposta parte boa — o pai solo que pode ir parar na sarjeta caso a pretensa megera o consiga expulsar — e acabam enredados numa paixão avassaladora. Mesmo a afinidade entre os dois atores tem o condão de amenizar a saída Deus ex machina pela qual opta Carteni num “Romeu e Julieta” sem vigor.
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