Enquanto a maioria dos voos transatlânticos se limita a entregar monotonia e horas de descanso, o filme “Sem Escalas” desafia essa expectativa ao transformar o interior de um Boeing 767 em um palco de mistério, ação e tensão crescente. A narrativa, centrada no agente federal Bill Marks (Liam Neeson), explora os limites da paranoia e do desespero em um espaço confinado, onde cada movimento e decisão carregam consequências fatais. A trama, envolvente desde os primeiros momentos, estabelece um jogo de sobrevivência marcado por mensagens anônimas ameaçando a vida dos passageiros a cada 20 minutos, caso um resgate milionário não seja pago.
Bill Marks é mais do que um herói típico: ele é um homem quebrado por seus próprios erros, um ex-policial que carrega o peso do alcoolismo e das perdas pessoais. Sua introdução, com gestos que oscilam entre vulnerabilidade e rigidez, estabelece uma dualidade que sustenta o filme. Mesmo em meio à pressão crescente, Marks demonstra empatia em pequenos atos, como devolver o ursinho de uma garotinha assustada, antes de ser forçado a adotar táticas pouco ortodoxas para identificar o culpado. Neeson encarna esse personagem com uma intensidade cativante, equilibrando força e humanidade de maneira que apenas um ator de sua estatura poderia oferecer.
Sob a direção de Jaume Collet-Serra, conhecido por sua habilidade em criar atmosferas inquietantes, o espaço limitado da aeronave se transforma em um cenário de tensão claustrofóbica. A cada nova descoberta — uma conta bancária suspeita, uma bomba escondida, ou passageiros aparentemente inocentes que escondem segredos — a narrativa mantém o público preso ao suspense, em um ritmo que ecoa clássicos como “24 Horas” e o estilo investigativo de Agatha Christie. O diretor constrói essa dinâmica sem recorrer a cortes externos, o que intensifica a sensação de confinamento compartilhada entre os personagens e o público.
Um dos destaques do filme é o uso de celulares como um catalisador narrativo. As mensagens que aparecem na tela, substituindo diálogos expositivos, criam uma rede de suspeitas que conecta cada passageiro a um mistério maior. Essa abordagem moderna, embora arriscada, é complementada por um elenco de apoio sólido, que inclui Julianne Moore, como uma empresária cujo comportamento intrigante levanta dúvidas, e Michelle Dockery, no papel de uma comissária de bordo que tenta manter a calma em meio ao caos. Lupita Nyong’o também contribui para a diversidade do elenco, mesmo em uma participação mais contida.
Embora o roteiro exiba maestria em manter o suspense por boa parte da duração, ele tropeça em seu terceiro ato, ao oferecer uma explicação que carece de profundidade e verossimilhança para justificar as motivações do vilão. Essa abordagem enfraquece o impacto emocional do desfecho, mas não é suficiente para comprometer a experiência geral. Sequências de ação bem coreografadas e a performance magnética de Neeson asseguram que “Sem Escalas” mantenha seu status de thriller envolvente, apesar de suas imperfeições narrativas.
Liam Neeson reafirma sua posição como um dos ícones do cinema de ação contemporâneo. Desde “Busca Implacável”, o ator tem desafiado estereótipos de idade ao incorporar personagens que equilibram vulnerabilidade emocional e força física. Em “Sem Escalas”, ele entrega uma performance que transcende o gênero, explorando as falhas e a resiliência de seu personagem com uma autenticidade rara. Sua presença em cena é um lembrete de que heróis imperfeitos são frequentemente os mais memoráveis.
“Sem Escalas” vai além de um simples filme de ação, transformando uma premissa familiar em uma experiência envolvente, repleta de tensão e surpresas. Com uma direção hábil, um elenco talentoso e uma performance central que sustenta a narrativa, o longa se destaca como um exemplo de entretenimento eficaz. Mesmo com suas limitações, ele cumpre sua promessa: manter o público cativo até o pouso final, entregando uma jornada emocionante e inesquecível a 12 mil metros de altura.
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