Em “Ad Astra – Rumo às Estrelas”, James Gray entrega um épico introspectivo que combina narrativa habilmente construída e performances densas, especialmente de Brad Pitt. O filme transcende a ficção científica convencional ao explorar as nuances de um herói cuja maior batalha não é contra o cosmos, mas contra seus próprios demônios internos. O major Roy McBride (Pitt) não é um aventureiro destemido; é um homem marcado pelo peso de expectativas desumanas e por feridas que insistem em não cicatrizar. Seu percurso pelo espaço é, sobretudo, uma jornada para dentro de si mesmo, em busca de sentido e redenção.
Gray e o corroteirista Ethan Gross moldam um protagonista cheio de paradoxos: um explorador do desconhecido que carrega consigo o fardo de uma humanidade excruciante. Diferente de Mark Watney, o otimista sobrevivente de Matt Damon em “Perdido em Marte”, McBride é guiado por uma determinação fria e pragmática, mas que, a cada passo, revela suas fragilidades mais profundas. Pitt interpreta essa dualidade com maestria, oscilando entre o controle quase sobre-humano e momentos de vulnerabilidade desarmante. Enquanto isso, Gray conduz a narrativa com equilíbrio, evitando cair em sentimentalismos fáceis, mas sem deixar de imprimir à trama uma dimensão emocional poderosa.
No cerne do filme está a relação tumultuada entre McBride e seu pai, Clifford (Tommy Lee Jones), um lendário astronauta cuja obsessão pelo enigmático Projeto Lima resultou em tragédias irreparáveis. Clifford é uma figura quixotesca, consumida por uma cruzada insana contra ameaças invisíveis, distantes da compreensão comum. Em um dos encontros mais carregados de tensão e simbolismo, Pitt e Jones protagonizam um duelo de emoções reprimidas, dando ao terceiro ato uma intensidade que reverbera muito além da tela. Essa dinâmica pai-filho transforma o filme em uma alegoria magistral sobre laços familiares corroídos, marcando-o como um estudo íntimo das cicatrizes emocionais que atravessam gerações.
A produção é também um espetáculo visual de tirar o fôlego. A fotografia de Hoyte van Hoytema compõe um espaço sideral que, embora vasto e deslumbrante, nunca deixa de refletir a solidão do protagonista. Cada quadro é cuidadosamente trabalhado para espelhar a jornada psicológica de McBride, do vazio gelado de planetas inóspitos à opressiva escuridão de suas memórias. Essa simbiose entre estética e narrativa confere ao filme um impacto raro, em que forma e conteúdo se elevam mutuamente.
No entanto, “Ad Astra” não se limita a retratar uma jornada pessoal; ele também se insinua como uma crítica sutil às ambições desmedidas das potências globais. Gray constrói esse subtexto com discrição, mostrando um futuro onde a exploração do universo é moldada pelas mesmas disputas que contaminam a Terra. Contudo, o que realmente importa é a odisseia interna de McBride, uma busca por equilíbrio e, talvez, por um recomeço. No fim, o que resta não é um herói triunfante, mas um homem que aprendeu, à duras penas, a confrontar o passado sem deixar que ele defina o futuro.
“Ad Astra – Rumo às Estrelas” é, acima de tudo, um retrato visceral de um homem fragmentado, buscando significado em meio ao caos de sua existência. Gray, com precisão cirúrgica, cria uma narrativa que transcende gêneros, entregando um filme ao mesmo tempo grandioso e intimista. Ao combinar uma direção impecável, atuações memoráveis e uma fotografia que sublima o espaço como metáfora de isolamento, o longa se firma como uma das obras mais reflexivas e impactantes da última década.
★★★★★★★★★★